Órgão máximo da ditadura judicial que assola o País, o Supremo Tribunal Federal (STF) voltou a inovar, criando uma equiparação das chamadas injúrias raciais com ofensas cometidas contra LGBTs. Encoberto pelo véu da proteção da comunidade LGBT, o que o STF realmente faz é criar um tipo penal e incrementar a repressão no País. Para isso, o dito “guardião da Constituição” a pisoteia, escamoteando uma série de normas e garantias consagradas pela Constituição, o que coloca às claras a verdadeira função do Supremo, para além das máscaras e chavões criados para impressionar tolos.
O artigo 5º da Constituição Federal de 1988, inciso XXXIX – por exemplo -, estabelece textualmente que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. O mesmo está escrito no artigo primeiro do Código Penal, de modo que qualquer malabarismo retórico criado para justificar o “crime de lgbtfobia” esbarra no fato de que, dado a inexistência de uma lei que defina tal crime, ele simplesmente não existe.
Alguém poderia argumentar que a jurisprudência criada através de um julgamento, cria – na prática – uma lei, na medida em que orienta tribunais de instâncias inferiores a julgarem casos similares em conformidade. Isso, no entanto, é mero exercício de argumentação.
Enquanto o cidadão vive com a máxima de que “se a lei não proíbe, é permitido”, com o Estado (ao menos em seu modelo democrático de Direito) vigora o oposto: se não há lei que permita, é proibido. Ante a inexistência de previsão legal autorizando o STF a criar tipos penais ou fazer analogias sem pé nem cabeça – como equiparar homofobia a racismo aproveitando-se do frágil gancho da discriminação -, aos ministros caberia aguardar o Congresso criar lei autorizando a ação legisladora do Supremo.
É preciso destacar ainda que ao se autoatribuir a função legislativa, o STF ataca frontalmente o artigo 60 da Constituição, que trata das famosas “cláusulas pétreas”:
“§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
(…)
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Tendo transformado tanto o Congresso quanto o Palácio do Planalto em meros simulacros de instâncias do poder, há muito tempo o STF vem sistematicamente pisoteando o que estabelece o inciso 3º, porém ao imiscuir-se na esfera penal e solapar um princípio basilar dos códigos penais do mundo civilizado – o da anterioridade da lei (os supracitados artigos 5º da Constituição e 1º do Código Penal) -, a burocracia impõe pela força de suas súmulas a leia da selva como a única vigente.
Através da teoria de separação dos poderes de Montesquieu, base da organização do que se convencionou chamar de “Estado democrático”, o poder estatal é dividido principalmente através de três poderes: o Executivo, que administra o Estado; o Legislativo, composto por representantes do povo e responsável por criar as leis; e o Judiciário, a quem cabia o papel de aplicar as leis em julgamentos.
O que diz, porém, Montesquieu sobre esse desejo do STF de se converter não apenas no “guardião da Constituição”, mas de agir em caso de omissão do parlamento? “Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor” (”Do Espírito das Leis”, Cap. VI “Da Constituição da Inglaterra”).
Torna-se cada dia mais urgente que as vanguardas populares se insurjam contra a ditadura judicial e mobilizem trabalhadores, camponeses e estudantes por uma reforma completa do poder judiciário, o mais reacionário do País e que carece de uma reformulação completa, a começar pela extinção do STF, além de medidas que estabeleçam o controle popular sobre o hoje completamente burocratizado poder. O uso da comunidade LGBT é mero pretexto para incrementar ainda mais o já horripilante poder repressivo da justiça e sua gana por atirar pobres às filiais do inferno que são as cadeias brasileiras.
Não importa a desculpa utilizada, as ações arbitrárias da justiça, longe de serem apoiadas, devem ser denunciadas. Conhecendo o histórico do órgão que enviou Olga Benário para morrer em um campo de concentração nazista, que apoiou toda a barbárie da Ditadura Militar e em anos mais recentes, a Lava Jato, o golpe contra Dilma Rousseff, a prisão de Lula e a eleição de Bolsonaro, não tardará até que todo o poder repressivo se volte com a força máxima contra a esquerda.