Alguns dias atrás, setores da esquerda se animavam com a possibilidade da condenação do ex-Presidente Jair Bolsonaro, no clima da luta “anti-fascista” de mentira; a realidade é que Bolsonaro e o bolsonarismo vão opor muito mais resistência à perseguição do que a esquerda petista opôs poucos anos atrás.
Primeiramente, uma consideração relativamente óbvia: ainda que o PT seja um partido muito grande, ele não é um partido do regime político, embora sua ala direita faça o possível para tentar convertê-lo em algo do tipo. Isso não vale para o bolsonarismo, que tem amplo apoio em quase todo o aparelho de repressão estatal, particularmente no Exército e na Polícia Militar; e um amplo apoio no Exército, particularmente no Alto Comando, é uma ferramenta política muito poderosa, para tristeza daqueles que aderem à aloprada mitologia do “Xandão, o caçador de fascistas”.
Em segundo lugar, o bolsonarismo é um movimento político da classe dominante. Pode não ser um movimento diretamente ligado ao setor mais poderoso do capital nacional (se é que pode-se chamar esse setor de “nacional” dada suas ligações com o imperialismo), mas, ainda assim, trata-se de um movimento político da burguesia.
Finalmente, Bolsonaro é uma liderança política verdadeiramente popular, e tem uma base de apoiadores sólida. Isso é um fenômeno novo no período pós-“redemocratização”. É evidente que figuras como FHC e Collor nunca tiveram apoio algum no meio da população. A ironia é que o ex-militar capitalizou justamente na radicalização de tipo fascista promovida pelo centro político em sua campanha asquerosa para destruir o PT; se antes votavam a contragosto no PSDB, hoje votam convictos em Bolsonaro.
Tendo em vista essas coordenadas, era relativamente fácil prever que qualquer luta que não fosse uma intensa luta política nada poderia fazer contra o bolsonarismo. A mensagem parece ter finalmente chegado para a imprensa pró-imperialista, que fazia o possível para “combater” o bolsonarismo com o intuito de recuperar o “centro político”, o maior perdedor com a polarização nacional.
Em matéria com o título Caso das joias expõe resiliência do bolsonarismo, e ex-presidente mantém eleitor fiel publicado no Estadão na última sexta-feira (18), o autor parece ter descoberto o óbvio:
“Para 40,5% do eleitorado brasileiro, Bolsonaro está sendo vítima de uma caça às bruxas, promovida pelo atual governo. O recente levantamento feito pela Atlas mostra ainda que 1/3 dos entrevistados não acredita nem sequer no envolvimento do ex-presidente no caso das joias. Esses números demonstram uma resiliência muito forte do bolsonarismo (grifo do Estadão), em uma condição muito adversa.”
Ou seja, para uma parcela muito significativa da população brasileira, que, em geral, detesta, e com razão, o Estado brasileiro e suas instituições, Bolsonaro é um perseguido. Pior ainda, quem serve de testa de ferro? A esquerda! Em sua política profundamente confusa e inconsequente, a esquerda tem servido de base de apoio para o fechamento do regime político brasileira e a extrema-direita pró-ditadura militar tem, por isso, ganho de bandeja a imagem de defensora dos direitos do povo. É um desastre, mas será que o bolsonarismo será derrotado pelo menos?
De maneira muito parecida ao que tem sido a farofada pós-8 de janeiro, pode ser que algumas figuras secundárias sejam punidas. Mas é tudo. E, é claro, nenhum bolsonarista será punido pelos maiores crimes cometidos contra o País e o povo brasileiro, como a privatização da Eletrobras, justamente por ser a mesma política do centro político. É precisamente isto que vemos com a decisão do STF de colocar Carla Zambelli no banco dos réus por perseguição armada no dia da eleição. Uma miragem que engana o incauto.
Outro acontecimento interessante virou notícia no jornal Folha de São Paulo:
“Militares que integraram a equipe de fiscalização do processo eleitoral em 2022 pelo Ministério da Defesa confirmam que Walter Delgatti esteve na pasta para tratar sobre a segurança das urnas eletrônicas.
“Dois integrantes das Forças Armadas que participaram do processo informaram à Folha, sob reserva, que o conhecido hacker da Vaza Jato esteve uma única vez na sede ministerial. Eles negam influência dele na confecção do relatório final da fiscalização.
“A versão dos militares contraria a apresentada por Delgatti à CPI do 8 de janeiro, na última quinta-feira (17). Na ocasião, ele disse ter participado de cinco reuniões no Ministério da Defesa sob o governo do presidente Jair Bolsonaro (PL).”
Ou seja, se alguém tinha dúvidas, Bolsonaro tem amigos poderosos dentro do Exército dispostos a defendê-lo. A caça ao bolsonarismo vai de mau a pior, e sem uma mudança drástica da política da esquerda, que tem se mantido a reboque da direita “civilizada”, este somente se tornará mais forte.