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Evolução interrompida

Em memória do Patinho Feio

Havia um tucano no meio do caminho da indústria de computação nacional

Há uma frustração que me persegue e que, de tempos em tempos, domina meus pensamentos. Ultimamente, esse “mal” tem durado poucos dias, mas conforme a idade avança, mais sinto desejo de fazer algo a respeito. Espero que a coluna desta semana seja um passo nessa direção.

Não sei se é de conhecimento de todos os leitores, mas sou formado em Engenharia Elétrica. Com ênfase em Computação. Não por acaso, me foi concedido um espaço neste Diário precisamente para falar sobre tecnologia, compromisso que cumpri, salvo raras exceções. Cometi, porém, um erro fatal há aproximadamente um ano, ao não mencionar o Patinho Feio, primeiro computador projetado e construído no Brasil na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde estudei. Sua apresentação foi feita em 24 de julho de 1972. Ano passado, o projeto completou 50 anos e, infelizmente, não me atentei ao fato. Pouco após seu 51º aniversário, vamos corrigir esse erro e falar sobre a frustração que me atormenta, assuntos diretamente relacionados.

Todos conhecem a história do patinho feio, mas o Patinho Feio a que me refiro é outro. Trata-se do primeiro mini-computador (relativamente grande para padrões modernos) de produção inteiramente nacional. Na época, poucos países do mundo, a exceção das potências imperialistas, podiam gabar-se de tal feito. Sua ficha técnica é modesta para os dias de hoje: processador com conjunto de instruções limitado, de 8 bits; incríveis 8 KB para sua memória principal; e um ciclo de máquina de 2 microssegundos, ou clock de 500MHz. O Patinho Feio guarda em seu próprio nome a ambição dos engenheiros que o projetaram. A expectativa não apenas de que o projeto se transformasse em algo muito melhor com seu desenvolvimento, assim como no conto de fadas, mas de que a indústria brasileira de computação se desenvolvesse dada essa faísca inicial.

E ela efetivamente se desenvolveu. Quem não lembra da Gradiente, que chegou a fabricar os videogames da Nintendo aqui no Brasil. Ou da CCE, ItauTec e tantas outras empresas. Boa parte delas foi destruída durante os governos neoliberais da década de 1990, em particular o governo de Fernando Henrique Cardoso, talvez o principal responsável pela desindustrialização do Brasil. Hoje há empresas como a Multilaser e a Positivo, entre outras, que montam os computadores aqui, mas nada como antes. Os componentes eletrônicos raramente são fabricados em território nacional. No caso de projetos como o do Patinho Feio, então, nem se fala.

Essa, portanto, é a minha frustração. Mesmo durante a graduação ouvi de professores de uma das principais escolas de engenharia do País que o futuro estava no setor de serviços. Trabalho, de fato, como programador, no setor de serviços. Não para o Brasil, mas para uma empresa estrangeira. O setor é realmente recheado de investimento especulativo, principalmente na era da inteligência artificial. Mas o que sustenta esse progresso tecnológico para os serviços, o desenvolvimento de semicondutores, apesar de não atrair os barões do mercado financeiro, é tema belicoso na relação o bloco de países imperialistas, principalmente os Estados Unidos, e a China.

A economia material, finamente, é fundamental e o futuro da indústria nacional de computação foi interrompido por um tucano. O tucano, ciente de que o patinho feio viraria um belo ganso, uma ave muito mais imponente, podou as asas do concorrente. Hoje não temos nem um pato.

Espero entrar em mais detalhe sobre o tema em matéria que pretendo escrever para o Dossiê Causa Operária. Enquanto isso, deixo aqui minha singela homenagem ao início da indústria brasileira de computação e faço um chamado a todos os interessados para que a mantenhamos viva e crescendo. Lula salvou a CEITEC das garras da privatização, agora, é preciso dar o próximo passo.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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