Rogério Correia, deputado do Partido dos Trabalhadores de Minas Gerais, foi o primeiro parlamentar governista a pedir a palavra durante a sabatina de Walter Delgatti Neto à CPMI do 8 de janeiro. Logo de início, ele apresentou a tese que seria repetida pelo conjunto da esquerda naquela comissão: “nós escapulimos de um golpe de Estado por muito pouco”.
Foram vários os deputados e senadores que acompanharam Correia, afirmando que as denúncias trazidas pelo mesmo homem que outrora havia hackeado o ex-juiz Sergio Moro comprovariam crimes “gravíssimos” do ex-presidente Jair Bolsonaro. Houve até quem dissesse que o depoimento de Delgatti já teria sido o suficiente para que as autoridades colocassem Bolsonaro atrás das grades.
Não há, contudo, motivo para tal. Em primeiro lugar, o que houve na CPMI na última quinta-feira (17) não passou de um depoimento. É a palavra de Delgatti contra a palavra do ex-presidente Jair Bolsonaro. A defesa do ex-presidente, inclusive, já se pronunciou, rejeitando as declarações dadas pelo hacker e prometendo processar Delgatti. É necessário, portanto, que tudo o que foi dito por Delgatti seja ainda comprovado. A única coisa que o depoente conseguiu provar até o momento é que ele se encontrou com a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) e com o próprio ex-presidente. Não há provas de que o que Bolsonaro ou Zambelli disseram a Delgatti tenha sido qualquer coisa de ilegal.
Mas assumamos, hipoteticamente, que tudo o que Walter Delgatti tenha afirmado seja fato. O que terá o hacker conseguido apontar sobre o ex-presidente da República?
No máximo, que Bolsonaro contratou alguém para assumir um crime que não cometeu – o grampo sobre Alexandre de Moraes -, para invadir as redes internas de computadores do Poder Judiciário e para comprovar que as urnas eletrônicas podem ser manipuladas. Ainda que possam haver crimes comuns nisso, uma coisa fica clara: não é possível vincular, nem remotamente, a contratação de Delgatti a uma tentativa de golpe de Estado.
O que o hacker descreveu não passa de uma verdadeira trapalhada de Bolsonaro e sua equipe. Segundo ele, Carla Zambelli teria começado a contratá-lo para prestar serviços de internet semanas depois de o próprio Delgatti ter aparecido em uma entrevista declarando voto em Lula. Bolsonaro, por sua vez, não viu problemas em se encontrar na residência oficial da Presidência da República com o hacker que teria sido o responsável pelo escândalo que praticamente liquidou a Operação Lava jato. E isso tudo, no final das contas, teria servido apenas para que Delgatti tentasse fazer uma exibição ao público que demonstrasse a vulnerabilidade de uma urna eletrônica…
Não há absolutamente nada nessa trama toda que se assemelhe a um golpe de Estado. Nem Delgatti, nem Bolsonaro, conforme o depoimento à CPMI, estariam envolvidos, por exemplo, em um assalto ao Palácio do Planalto, ao Supremo Tribunal Federal ou ao Congresso Nacional. Não há qualquer indício de que ambos tivessem tentado derrubar os poderes constituídos por meio do uso da força ou da violência. Na pior das hipóteses, tudo não passou de um truque eleitoral mal sucedido, um truque tão simplório e folclórico quanto o então candidato à presidência Fernando Collor exibir em rede de televisão uma mulher que disse que Lula pediu para que ela abortasse.
Curiosamente, o depoimento de Delgatti revelou coisas muito mais sérias, para as quais a esquerda nacional decidiu tapar os ouvidos. O hacker revelou, por exemplo, que, durante décadas, uma única pessoa tinha acesso ao código-fonte do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). E que hoje o número de pessoas que têm acesso não passa de cinco. Em outras palavras, que o voto de 200 milhões de brasileiros pode ser completamente adulterado no que depender das intenções de menos de meia dúzia de funcionários.
Essa revelação de Delgatti, por sua vez, joga luz não em uma tentativa de golpe de Estado de um destrambelhado Bolsonaro, mas sim sobre o caráter profundamente antidemocrático das instituições brasileiras – em especial, o Poder Judiciário. E são essas instituições, que detêm um poder gigantesco, que não podem ser criticadas e que não são eleitas por ninguém que são o que há de mais golpista no País.