“A própria burguesia não se entende bem. É difícil você fazer com que uma corrente mais democrática, mais avançada, mais popular, vença as demais correntes, mais conservadoras, ligadas a interesses até internacionais, que naturalmente quererão fazer prevalecer os seus direitos, uma vez que eles contribuíram para a vitória da chapa liberal. De modo que eu vejo a situação atual com muito pessimismo”.
A declaração, que parece ter sido dada durante o período conturbado, obscuro e dividido que o país atravessou no último pleito eleitoral, foi dita pelo escritor brasileiro Carlos Drummond de Andrade ao jornalista Humberto Werneck e publicada na revista IstoÉ de 11 de abril de 1985.
O escritor, que morreu há exatos 36 anos, completados nesta quinta-feira (17), prossegue: “De modo que eu vejo a situação atual com muito pessimismo. E não vejo para os meus dias, os dias que me faltam viver, a perspectiva de uma época mais bonita, mais tranquila”.
Reservado e pouco afeito a entrevistas, Drummond trabalhou incansável ao longo de décadas e escreveu seu nome na literatura brasileira. Oriundo da segunda geração do Modernismo brasileiro, foi além do formalismo e desenvolveu uma obra universal, focando em seu conteúdo problemas individuais e também sociais. Sempre de uma perspectiva mais humana e olhando para pessoas, coisas e sentimentos.
Importante ressaltar que esse trabalho foi construído a partir de 1930, quando da publicação do seu livro de estreia: “Alguma Poesia”.
E o cenário para a construção do seu trabalho aconteceu durante a expansão da dominação cultural dos Estados Unidos sobre o Brasil, que se iniciou com a Política da Boa Vizinhança, inaugurada na presidência de Franklin Delano Roosevelt (1933-1945).
Foi a partir deste período que foram despejados centenas de milhares de dólares em propaganda do American Way of Life por meio do cinema (com a criação do star-system e o Código Hays e invasão de filmes americanos nos cinemas brasileiros); no rádio (com a implantação do programa americano Repórter Esso no Brasil) e da imprensa (na implantação da edição brasileira da revista Reader’s Digest norte-americana, dentre outros). O feito quase acabou inviabilizando a cultura brasileira e causou grandes prejuízos para os diversos movimentos artísticos que sucederam o período. E os efeitos são sentidos até hoje, visto que perdura uma grande produção literária, cinematográfica e cultural que verdadeiramente retrate a realidade e a diversidade do País.
Drummond não. Ele seguiu impassível seu trabalho e publicou até sua morte, em 17 de agosto de 1987. São ao todo 47 livros, sendo 27 de poesias, 18 de prosa e dois infantis. Importante destacar que muitos deles foram traduzidos para o espanhol, o inglês, francês e até mesmo para o russo.
Nascido em 31 de outubro de 1902, na cidade de Itabira do Mato Dentro (MG), publicou seus primeiros trabalhos no Diário de Minas em 1921. Teve uma importante participação no jornalismo mineiro e foi redator-chefe do Diário de Minas em 1926. Um ano antes de publicar seu primeiro livro, trabalhou ainda como auxiliar de redação e depois redator do Minas Gerais, órgão oficial do Estado.
A partir de 1934 passou a viver no Rio de Janeiro, onde publicou grande parte de sua obra sem nunca deixar de produzir crônicas para jornais. Drummond continua sendo um dos principais nomes da literatura e é fundamental para a construção de uma identidade nacional, além de ser um autor fundamental para o combate do domínio cultural imperialista que se arrasta até os dias atuais.