Ligado ao PSOL (um partido de parlamentares), o portal Esquerda Online publicou um artigo intitulado “Washington Quaquá quer anistiar bolsonaristas?” (André Freire, 11/8/2023) criticando o deputado Washington Quaquá (PT-RJ) por seu voto, durante sessão no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados ocorrida no último dia 9. Na ocasião, Quaquá apoiou o arquivamento de processos de quebra de decoro parlamentar contra os bolsonaristas Nikolas Ferreira (PL-MG) e Carla Zambelli (PL-SP), o que supostamente teria desencadeado “uma revolta geral na esquerda e nos movimentos sociais”. Qual foi, porém, o gravíssimo crime dos parlamentares bolsonaristas que tornam o voto de Quaquá um escândalo?
“No caso de Zambelli”, diz o artigo, “ela desferiu ataques à honra e xingamentos [grifo nosso] (“vai tomar no c…”) contra outro deputado, Duarte Júnior (PSB-MA), durante sessão da Comissão de Segurança Pública.” Ou seja, a deputada bolsonarista não fez nada além de defender uma determinada posição política, ainda que fazendo uso de um vocabulário inapropriado do ponto de vista da sofisticação. Mas no fim, Zambelli nada fez além de falar.
Já no caso do deputado Nikolas Ferreira, a matéria informa que “a acusação era ainda mais séria e grave”. Antes que alguém pense em um episódio de violência ou algo do gênero, Esquerda Online traduz qual foi o “crime” de Ferreira: “transfobia”. “Por causa do bizarro”, continua o texto, “e revoltante discurso que ele desferiu na tribuna da Casa, logo no Dia Internacional das Mulheres. Neste dia, ele se apresentou de perucas, e afirmou no seu discurso que as mulheres estão perdendo espaço para homens que estão se fazendo de mulheres. Num evidente e nítido crime de transfobia. Um escárnio completo para o parlamento brasileiro”, conclui Esquerda Online.
Ora, novamente, pode-se criticar a deselegância da forma ou o histrionismo de se vestir uma peruca durante um pronunciamento. A ação, no entanto, foi falar. Cabe a pergunta então: deputados devem realmente ser cassados por falar?
O próprio órgão lembra mais ao fim do texto que nesse momento, corre na Câmara “um absurdo e mentiroso pedido de cassação por quebra de decoro parlamentar, de iniciativa do PL bolsonarista, contra seis combativas deputadas da esquerda: Célia Xakriabá (PSOL-MG), Fernanda Melchionna (PSOL-RS), Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Talíria Petrone (PSOL-RJ), Érika Kokay (PT-DF) e Juliana Cardoso (PT-SP).”
E qual foi o crime das parlamentares de esquerda? “O uso por parte delas do termo ‘assassinos’ para se referir aos parlamentares que defenderam o projeto de lei que estabelece o ‘Marco Temporal’ das terras indígenas, aprovado neste ano na Câmara”, conforme nota disponível no sítio oficial do PSOL denunciando a perseguição contra as deputadas de esquerda (“ELAS FICAM! Solidariedade às 6 parlamentares perseguidas pelos bolsonaristas na Câmara”, 21/7/2023).
A contradição presente no texto é um indicativo gritante das razões que levam os verdadeiros comunistas a defenderem de maneira enérgica a liberdade de expressão. Parafraseando Trotsky, não importa contra quem começa uma arbitrariedade, ela sempre recairá com a força máxima contra a classe trabalhadora.
Naturalmente, este Diário Causa Operária se solidariza com as parlamentares perseguidas e chama as organizações de esquerda, dos trabalhadores, camponeses, estudantes e demais setores populares a se mobilizarem contra a tentativa ditatorial de cassar as deputadas. É preciso, no entanto, clareza de que a ofensiva contra as parlamentares é resultado de erros de cálculo terríveis cometidos pela esquerda, que inadvertidamente, impulsionou uma banalização dos processos de cassação de parlamentares.
Sem medir as consequências do que faziam, os esquerdistas passaram a atuar como uma espécie informal do famigerado Departamento de Ordem Política e Social (Dops), pedindo repressão a torto e direito pelos mais banais motivos, inclusive por falas em pronunciamentos. Uma total inversão das atribuições dos parlamentares, que, afinal, foram eleitos para serem a voz daqueles que os elegeram.
Como aprendizes de feiticeiros, os esquerdistas lideraram uma dura ofensiva contra a liberdade de expressão e contra a imunidade parlamentar, direitos consagrados pela Constituição e conquistados a duras penas pela classe trabalhadora em sua luta contra a Ditadura Militar, que cerceava ambos. Agora se vêem confrontados com uma dura realidade:
Juntos, PCdoB (com 6 deputados), PSOL (12) e PT (68) somam 86 votos para a esquerda na Câmara dos Deputados. A direita, conta com todos os 427 parlamentares restantes, dentre os 513 representantes na casa, deixando muito óbvio quem perderá sempre que os campos entrarem em disputa, incluindo o (talvez especialmente no) caso dos processos no Conselho de Ética para cassar deputados.
Por mais que o órgão esteja correto em caracterizar Quaquá como um elemento quase bolsonarista inserido no interior do Partido dos Trabalhadores, neste ponto e a despeito das motivações, o parlamentar fluminense está correto. Direitos como a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar devem ser resgatados pelas organizações de luta da classe trabalhadora.
Independente do valor subjetivo do que é dito, falar não é e nem pode ser um crime. Com a ajuda fundamental da esquerda pequeno-burguesa, a burguesia vem conseguindo criminalizar a liberdade de expressão. A vanguarda dos trabalhadores não pode aceitar isso, sob pena de viver um retorno aos anos de terror da Ditadura Militar.