Noventa e quatro parlamentares de direita e extrema-direita acabam de ter um terrível despertar. Descobriram, espantados e indignados, como o povo simples do Brasil é tratado pela polícia e pelo judiciário. Os parlamentares verificaram, em uma lista de 16 pontos, a violação dos direitos básicos dos manifestantes de 8 de janeiro, em Brasília, presos após a deliberadamente tardia reação de autoridades coniventes, com os atos de vandalismo praticados por esses manifestantes contra prédios públicos. Assinaram a lista desde Luis Eduardo Girão, Magno Malta, Marcos Cesar Pontes, Bia Kicis até Flavio e Eduardo Bolsonaro. O grupo produziu um dossiê de denúncias, destinado à comissão de direitos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), entregue depois de alguns desacertos e trapalhadas risíveis.
O extenso grupo de senadores e deputados decidiu tomar a medida extrema, segundo eles, após verem esgotadas todas as medidas cabíveis a nível nacional.
As queixas dos parlamentares, entregues à ONU, apresentam os seguintes pontos principais: 1) ausência de competência do STF para julgar o caso, 2) ausência de ordem de prisão e de exposição dos motivos para a prisão, 3) atraso injustificado para realizar as audiências de custódia, 4) formulário e interrogatório buscaram produzir provas contra os depoentes e obter denúncias, 5) juízes não tinham nenhum poder nas audiências de custódia, 6) exame de corpo de delito não foi realizado, 7) direito à integridade pessoal foi violado, 8) violação à liberdade pessoal, 9) violação nas sessões de julgamento para o recebimento de reclamação, 10) falta de individualização das condutas, 11) violação do direito à honra e à dignidade, 12) abusos cometidos pela Polícia Federal, 13) prisão de idosos, responsáveis por menores e pessoas com comorbidades, 14) abusos nas medidas provisórias impostas, 15) politização do processo e 16) violação ao direito de reunião.
Notável perceber a sensibilidade do grupo de parlamentares em relação aos direitos humanos de seus eleitores – que certamente incluem os manifestantes presos em 8 de janeiro – e a imensa indiferença que a direita bolsonarista (assim como a direita dita civilizada), sempre apresentou em relação ao conjunto da sociedade brasileira, à esquerda, ao povo pobre e preto, à grande maioria da população brasileira. O grupo político que notabilizou-se pelo bordão “bandido bom é bandido morto”, sempre apoia a repressão policial nas comunidades, aos movimentos sociais, aos sem teto, aos sem terra, aos trabalhadores em greve e todos que contestam o sistema opressor que a direita defende.
Resta saber se parte da esquerda que apoia e se regozija com a prisão e a repressão a esses cidadãos vai refletir e reavaliar suas posições políticas. As respostas tíbias e vacilantes do ministro dos direitos humanos e do ministro da justiça em relação aos recentes massacres no Rio, Guarujá e Bahia, com a morte de mais de 50 pessoas, incluídas mulheres e crianças, não nos faz pressagiar um futuro alvissareiro.
A aceitação do atual estado de coisas por representantes chave do governo atual e o silêncio da maioria dos parlamentares e vozes da esquerda sobre a questão prisional, da violência policial e arbitrariedade judicial, tão frequentes no Brasil que já se tornaram a regra do jogo, não nos dá esperanças de um futuro de civilidade, mas de barbárie continuada e conformismo covarde.