Algumas questões são extremamente recorrentes durante o processo de reflexão da vida humana. Dentre as mais variadas, duas delas são relacionadas ao campo da cultura e da arte. Quantas vezes já não nos deparamos com a seguintes afirmações: “isso não é cultura” ou “isso não é arte”. Essas afirmações são corriqueiras com a arte popular, mas não se restringe a ela somente. Quantas vezes não nos deparamos com alguma expressão artística que não compreendemos e nos perguntamos se aquilo realmente se trata de uma obra de arte?
Obviamente que nem tudo é arte e tampouco a cultura tem um aspecto primário que se faz presente de forma mais latente em todos os momentos da vida social. Mas, no geral, essas afirmações mencionadas no parágrafo anterior ocorrem carregadas de moralismo e dogmatismo, como se os traços dessas duas dimensões sociais fossem doutrinas religiosas, como se a vida tivesse um script inalterável e que as coisas ocorressem de maneira linear sem oscilações.
Essas afirmações são expressas muita das vezes mais por birra, preconceitos, por externalização do senso comum e por idealizações equivocadas, do que por uma criteriosa análise crítica de determinada expressão humana. Não se identificar, não gostar de algo, apresentar críticas (inclusive de maneira destrutiva) são coisas normais. Mas saltar daí para invalidar por invalidar algo, é de uma infantilidade tremenda. É como se houvesse um estado de espírito humano puro à ser procurado, como se o mundo fosse uma coisa perfeita, como se as expressões humanas não fossem reflexos das relações sociais, políticas, ideológicas, geográficas, econômicas e psíquicas.
Claro que a arte e a cultura possuem suas premissas, sendo a primeira de uma forma geral relacionada a fidelidade e sinceridade daquilo que o artista quer transmitir (principalmente sobre o sentimento a ser expressado), e a outra a um conjunto de ações e relações que exprimem características de uma determinada época e também um acumulo social que à forjam (não que a primeira também não reflita essa situação, mas aqui estamos falando de um conjunto muito mais amplo de ações e relações).
Na singularidade da arte, estamos falando talvez de uma das formas de expressão humana mais sinceras, seja ela de maneira utilitarista ou na dimensão da arte pela arte, seja ela em seu aspecto revolucionário ou contrarrevolucionário. A volatilidade da arte é tamanha e ocorre de maneira tão incrível, que a mesma pode ter um aspecto revolucionário sendo ela utilitarista ou voltada para si só (arte pela arte), e a mesma pode ser bela mesmo exprimindo relações sociais decadentes. Obviamente também, que essa volatilidade, quando incompreendida, descamba para vulgarização. O que também é normal, afinal, a sociedade não é algo perfeito, não é o mundo da ilha da fantasia onde tudo é maravilhoso e que as contradições não existem.
Nesse sentido, as expressões artísticas e culturais, não podem e jamais serão fruto da cabeça de engenheiros sociais e ideológicos do mundo perfeito. Essas expressões serão fruto da criatividade, da necessidade, das formas de relações e de produção, da vida humana.
Artigo publicado, originalmente, em 24 de maio de 2023.