Imagine, leitor, a seguinte situação: um grupo armado até os dentes, com blindados, fuzis e munição para uma guerra inteira, aterroriza a população de um bairro inteiro todos os dias. Não há motivo algum para fazer isso: o terror é apenas para deixar a população assustada, para que não ouse incomodar os ricos. Agora imagine que, por acaso, um dos agentes desse grupo acabou sendo baleado. O grupo, por vingança, decide assassinar 19 pessoas dessa comunidade de pobres coitados completamente desarmados. De que lado você ficaria?
Pois bem, isso já aconteceu inúmeras vezes no Brasil. E está acontecendo agora, no litoral paulista, no município do Guarujá. Um dos batalhões mais violentos da Polícia Militar, a ROTA, está assassinando dezenas de pessoas somente para vingar a morte de um policial que, sabe-se lá por que e sabe-se lá por quem, foi morto em uma das comunidades da cidade.
Se o policial morreu, paciência. Morre gente todo dia. Caberia à polícia civil fazer uma investigação para encontrar o responsável e processá-lo para que, caso seja efetivamente comprovado o delito, ele seja julgado e condenado. Mas não é isso o que a ROTA fez. A ROTA usou a morte do agente como pretexto para promover uma verdadeira chacina. Algo absolutamente injustificável – algo que só pode fazer sentido para quem é, no mínimo, sádico e não tem apreço algum pela vida humana. Isto é, para quem ache que o povo pobre da favela nem é gente.
Mas eis que o Brasil tem um ministro dos Direitos Humanos. E eis que esse ministro dos Direitos Humanos é negro e se diz antirracista. O que esperar, a não ser que ele repudie veementemente o ocorrido e que tome todos os tipos de providência para investigar os autores do atentado e para impedir que novos massacres aconteçam? O que aconteceu, no entanto, foi o exato oposto.
Em primeiro lugar, Silvio Almeida declarou que a morte do policial “foi cometido um crime bárbaro contra um trabalhador que precisa ser apurado”. É uma demagogia total com o aparato de repressão. Policial não é trabalhador: é um soldado de uma guerra em que só um lado ataca. Como já disse o presidente Lula em comício, o ex-presidente Jair Bolsonaro não gosta de “gente”, gosta de “polícia”. E ele tem razão: a defesa da polícia é diametralmente oposta à defesa da população, pois a defesa da primeira é a defesa do extermínio da última.
Também chama muito a atenção o fato de que Almeida já presumiu que a morte do policial foi um “crime bárbaro”. Por que não poderia ser – o que, na verdade, seria o mais provável – um ato de legítima defesa de alguém perseguido pela ROTA?
Por aí, já fica claro de que lado Silvio Almeida está. Mas tem mais: “O Brasil precisa ser colocado dentro de uma régua. É preciso um limite para as coisas”. O problema, portanto, não seria a existência da polícia, nem mesmo o fato de que a polícia tem autorização para agir por vingança. O problema seria só os “excessos” da ação policial. Podemos concluir, portanto, que, para Silvio Almeida, se a polícia não tivesse matado 19 pessoas, mas, quem sabe, 10, então estaria “dentro da régua”. Ou se a polícia não matasse, mas invadisse a favela, torturando todo mundo por informação, estaria “dentro da régua”.
Na prática, o que Silvio Almeida diz é o seguinte: “violar direitos humanos, tudo bem, desde que não ultrapasse uma determinada cota”. O mesmo homem que defende “cota” para o Supremo Tribunal Federal (STF), numa tentativa desesperada de conseguir um cargo vitalício, também defende, pelo visto, uma “cota” de tortura para preservar a imagem da polícia.


