Em coluna publicada na Folha de S. Paulo na última sexta-feira, dia 21, Hélio Schwartsman abre uma suposta defesa da tolerância em: “Tolerar os intolerantes?”. Ao longo do artigo, cita o filósofo de direita Karl Popper, muito utilizado no debate sobre a censura no último período, e afirma que o autor é descontextualizado:
“‘Tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos tolerância ilimitada até mesmo para aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante contra a investida dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância junto com eles’.
“A passagem é muito citada, mas raramente em seu devido contexto. Uma boa providência é conferir a frase seguinte à supramencionada, que reza: ‘Com essa formulação, eu não insinuo, por exemplo, que devemos sempre suprimir o enunciado de filosofias intolerantes; contanto que possamos combatê-las por meio de argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública, a supressão seria certamente insensata’.”
Censura? Só ao que for popular
Ou seja, a censura só deve se impor caso a “opinião pública”, uma abstração, não consiga manter “sob controle” as “filosofias intolerantes”. Não destacamos à toa os três termos anteriores. O que é exposto como democrático é uma determinação de censura, e com base em termos puramente abstratos. Quem é a “opinião pública” para o colunista da Folha? Ora, naturalmente que a imprensa burguesa, pró-imperialista, em outras palavras, o patronato. Que significa manter “sob controle”? Seria uma medida da influência de uma determinada “filosofia intolerante” sobre a população, ou seja, quanto mais popular a ideia, mais a censura deveria se abater sobre ela, algo fundamentalmente antidemocrático. E então, chegamos ao principal: o que seria uma “filosofia intolerante”? Isso será definido mais à frente no artigo publicado na Folha. Vejamos o que coloca o autor, Hélio Schwartsman:
“No fundo, Popper diz o óbvio. Afirma que a democracia precisa defender-se, recorrendo até à força, se necessário, daqueles que tentam suprimi-la. A questão difícil, para a qual não há solução sem considerar a situação política do momento, é quando se torna necessário adotar a força ou a censura, que devem ser sempre a ‘ultima ratio’, nunca a primeira opção.”
Vejamos, o argumento caberia perfeitamente para a defesa da ditadura militar de 1964, defendida à época pela Folha. Inclusive, esse foi justamente o argumento para o estabelecimento da ditadura e para sua continuidade por mais de duas décadas. Novamente, abstrações são utilizadas para defender a supressão dos direitos da população. O que é a “democracia”? O regime em que vivemos viu um golpe de Estado em 2016, que continuou pela farsa eleitoral de 2018, em que o principal candidato, Lula, foi impedido de concorrer, o que empossou Jair Bolsonaro como presidente. Sobre Bolsonaro – colocado na presidência não pelo voto numa eleição justa, mas pelo conluio entre o judiciário, a imprensa burguesa, incluindo a Folha, e as forças armadas, que garantiram todo o processo – o artigo define: “A democracia brasileira esteve sob risco no governo anterior, o que, a meu ver, justificou decisões menos ortodoxas do STF.”
O antidemocrático e seus mestres democratas
Pois, justamente quem garantiu a posse de Bolsonaro contra a vontade popular, que apontava para a eleição certa de Lula em 2018, foi também o veículo “defensor da democracia” em que escreve o colunista. Um dos argumentos utilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral à época, quando determinou que Lula não poderia dar declarações públicas enquanto preso, uma ilegalidade, também utilizou como argumento suposto risco à chamada ordem democrática, institucional.
Temos então a defesa real do artigo: a censura deve ser estabelecida sempre que ameaçado o regime burguês que hoje se apresenta como democrático, ou seja, os controladores do regime político, as instituições “democráticas” que massacram e restringem os direitos da população “democraticamente”, e garantem o oligopólio da imprensa burguesa nos rádios e televisões, outra medida “democrática”. Quem sabe o oligopólio da imprensa, no qual se inclui a Folha, mas também com destaque o Globo, seja uma das medidas para manter “sob controle” as filosofias vigentes no País, e garantir que sejam sempre “democráticas”, e não subversivas, numa rememoração de um momento não tão distante.