O “Relatório de Recomendações para o Enfrentamento ao Discurso de Ódio e ao Extremismo no Brasil”, produzido pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, sob a batuta do identitário Silvio de Almeida, apenas vai servir para colocar mais gente na cadeia, onde mais se viola os direitos humanos no Brasil e no mundo.
Temos a terceira maior população carcerária do planeta. Quase metade dos presos brasileiros não tem condenação. Apesar disso, dividem celas abarrotadas, sofrem tortura, comem comida estragada e expostos a toda sorte de doenças e insalubridade. Onde está o Ministério dos Direitos Humanos que não lança uma guerra contra essa chaga?
Em vez de tratar de esvaziar as cadeias, os identitários querem é achar meios para encarcerar e aumentar penas. Para isso, insistem em tentar determinar algo que não pode ser descrito de maneira inequívoca, como o tal “discurso de ódio”.
O capítulo 2 do Relatório, “Como Definir o Discurso de Ódio e o Extremismo”, é uma verdadeira aberração, dá inúmeras voltas e utiliza uma linguagem obscura e, ao final, não define nada, apenas cria uma cesta na qual cabe tudo dentro. É como a lei contra o racismo no Brasil, cabe tudo ali, se um sujeito chamou outro de “gordo”, de “feio”, pode ser enquadrado e condenado por racismo.
O que o texto faz é procurar justificar isso que já vem sendo feito no País, prisões e condenações com base em interpretações muito livres de juízes. Não podemos nos esquecer que estamos em um país onde se condena sem provas, como fez Rosa Weber contra José Dirceu; e se coloca na cadeia alguém por Atos de Ofício Indeterminados, como Sérgio Moro fez com Lula.
O apelo “científico”
Como sempre, se tenta justificar arbitrariedades com embasamento científico, como lemos no início do capítulo: “O Grupo de Trabalho realizou pesquisa e debate sobre o conceito de ódio e suas relações com as elaborações já existentes em diversas áreas de conhecimento, como humanidades, ciências sociais e ciência dos dados. / Há esforços de definição por parte de pesquisadores e pesquisadoras, organizações e organismos internacionais para conceituar o que é discurso de ódio” (grifo nosso).
Esses “esforços científicos” partem do pressuposto que existe o discurso de ódio e, portanto, a única tarefa é descrevê-lo. Na verdade, se fosse realmente científico, o trabalho deveria deixar aberta a possibilidade de que não existe o discurso de ódio. No entanto, é como os julgamentos da Lava Jato, onde já tinham o condenado, só precisavam definir o crime.
Vejamos o que seria, segundo o GT (grupo de trabalho) o discurso de ódio:
“Qualquer tipo de comunicação falada ou escrita ou comportamento que ataque ou use linguagem pejorativa ou discriminatória com referência a uma pessoa ou grupo com base em quem eles são, em outras palavras, com base em sua religião, etnia, nacionalidade, raça, cor, descendência, gênero ou outro fator de identidade” – Organização das Nações Unidas (ONU).
Discursos de ódio são manifestações que avaliam negativamente um grupo vulnerável ou um indivíduo enquanto membro de um grupo vulnerável, a fim de estabelecerem que ele é menos digno de direitos, oportunidades ou recursos do que outros grupos ou indivíduos membros de outros grupos, e, consequentemente, legitimar a prática de discriminação ou violência. Aquele que profere o discurso de ódio é aqui denominado o orador, aqueles a quem o discurso se dirige são a audiência e aqueles que são negativamente avaliados pelo discurso de ódio são o alvo. O grupo vulnerável é aquele que está mais propenso a sofrer violência ou discriminação em comparação com outros grupos sociais”.
Aqui, devemos nos perguntar: E quando são as próprias religiões que usam “linguagem pejorativa ou discriminatória com referência a uma pessoa ou grupo”? Ninguém será tão ingênuo a ponto de acreditar que os identitários venham criar caso ou enfrentar, por exemplo, O Velho Testamento, abarrotado de linguagem pejorativa e discriminatória. Não que sejamos favoráveis a que se censure ou se ataque as religiões ou suas escrituras. Apenas queremos explicitar a demagogia identitária.
Recentemente, os identitários estavam tentando mudar a letra do hino do Rio Grande do Sul porque há ali o seguinte trecho: “Povo que não tem virtude / Acaba por ser escravo”. Como se isso fosse ofensivo aos negros. Na história da humanidade, inúmeros povos foram dominados e escravizados, como os hebreus, os egípcios etc.
É para isso que serve determinar o que seria o “discurso de ódio” para mudar letras de hinos. A desigualdade social, as leis abusivas que colocam os pobres, especialmente os negros, na cadeia, isso continua sendo negligenciado.
Pisoteando a Constituição
Vejamos o seguinte parágrafo que mostra os malabarismos aos quais recorrem os autores desse relatório: “As disputas sobre a definição de discurso de ódio construídas no debate internacional transitam entre diferentes conceitos, como os de democracia, de paz, de extremismo político, de liberdade de expressão, de estar livre de violência ou de discriminação. O Grupo de Trabalho considera que a Constituição Brasileira é explícita sobre a proteção ao direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à liberdade e igualdade de toda sorte entre as pessoas. Isso significa uma afirmação positiva de proteção e promoção da vida em comum e livre do ódio e da violência extremista, não havendo razoabilidade democrática para a falsa tese do ódio como ‘liberdade de expressão’”. (grifo nosso).
O artigo 5º, inciso IV, da Carta Constitucional dispõe que: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. A Constituição não fala nada sobre “falsa tese do ódio”, diz que as pessoas têm direito à livre manifestação do pensamento, desde que não sem mantenham anônimas. O que deixa claro que o Ministério dos Direitos Humanos é contra a livre expressão do pensamento, um direito básico da humanidade, e quer determinar aquilo que as pessoas, propõe que haja controle sobre o pensamento e sua livre expressão.