A imprensa golpista está frenética na campanha contra o futebol brasileiro e as torcidas organizadas após a morte de Gabriela Anelli. A garota, de 23 anos, era torcedora do Palmeiras e integrante da torcida organizada Mancha Verde. Ela morreu durante o confronto entre o Verdão e o Flamengo pela 14ª rodada do Campeonato Brasileiro, no Allianz Parque, São Paulo.
Gabriela teria sido atingida por estilhaços de uma garrafa de vidro supostamente atirada por um torcedor do Flamengo durante uma suposta briga entre as torcidas rivais. Veja, tudo é supostamente, pois não se sabe ao certo o que ocorreu. Isso não impediu um torcedor suspeito (ou seja, até o momento, um inocente) de ser preso preventivamente, como se fosse um assassino em série.
Independente disso, a imprensa capitalista aproveitou o caso para promover sua campanha reacionária. O caso caiu bem: Anelli não é qualquer torcedora. Ela é uma torcedora branquinha, bonitinha, novinha. Segundo a imprensa, ela até mesmo era uma pessoa simples que ajudava crianças com deficiência para ir aos jogos do Palmeiras. Haveria algo melhor que isso para fazer a campanha contra as torcidas organizadas? Apenas se fosse uma criança ou um velhinho indefesa que tivesse morrido…
Enfim, de qualquer forma, de forma totalmente cínica, a imprensa capitalista, com sangue nos olhos, levantou a bandeira da repressão ao futebol brasileiro e à sua essência primordial: as torcidas organizadas.
“O futebol fez mais uma vítima”, afirmou Julio Gomes em sua coluna no Uol. Vejam que o jornalista do pior portal de notícias futebolísticas do país culpa não um indivíduo, nem mesmo uma torcida ou um clube (o que já seria ruim), pela morte da palmeirense, mas “o futebol”. É uma prova de mau-caratismo… Como se um esporte pudesse matar alguém. Mas, como bom porta-voz dos interesses da burguesia, sua argumentação tem um motivo: a principal reivindicação que levanta é a paralisação de todo o futebol brasileiro até que tudo seja “resolvido” (seja lá o que isso signifique).
Gomes tenta explicar:
“O que vivemos no futebol brasileiro não é um problema individual e nem de determinada torcida. É conjuntural, estrutural. É da sociedade brasileira e se aflora mais nitidamente no ambiente do futebol, que já há muitas décadas virou terra de ninguém”.
Ele continua:
“Nota de repúdio não terá efeito algum. O Ministério Público não mexerá na verdadeira ferida. E o minuto de silêncio é capaz que sequer seja respeitado por quem esteja no estádio. E assim seguimos, até que venha a próxima vítima.”
Sendo assim, o jornalista chega à conclusão que “o Campeonato Brasileiro precisa ser paralisado. Se não for pela CBF, que seja pelas pessoas. Por que seguimos pagando, consumindo, assistindo, nos importando? A sociedade civil precisa fazer alguma coisa”. Isto é, em outros termos, defende que se a própria CBF não paralisar o futebol, que isso seja feito mediante um boicote da população brasileira.
Julio Gomes sabe, no entanto, que isso não será feito. Naturalmente, desde que a violência entre torcidas organizadas aumentou, a morte de alguns torcedores também cresceu, e na maioria das vezes em casos bem mais graves do dúbio acontecimento que levou à morte de Gabriela Anelli. Nunca, no entanto, a população brasileira boicotou o futebol por causa disso. Como bom jornalista burguês, que fala sobre futebol, mas, na verdade, o odeia, o colunista do Uol não entende que o futebol é para o brasileiro um patrimônio cultural, uma paixão nacional e uma afirmação da nacionalidade. Simplesmente, o esporte bretão está tão enraizado na população que a sugestão de Gomes — se não for feita pelos cartolas, obviamente — simplesmente não vai acontecer. Se isso fosse ocorrer, já teria sido feito antes. Por exemplo, após a Batalha do Pacaembu na década de 1990, um confronto muito mais violento do que o exemplo agora aproveitado.
Mas, de certa forma, o colunista (o boicote popular) sabe que sua proposta é inviável. Por isso, ela arruma outra sugestão, que aponta como “única”.
Ele diz:
“Só existe uma solução, que não será completa, porque não há solução completa para uma sociedade como a nossa. Mas que ajudaria. Acabar com os bandos. Clubes, todos eles, são culpados pelas mortes de Gabriela e tantos outros. Porque se recusam a atacar o problema de frente, de peito aberto, em conjunto com o poder público. O que se passa nos barracões e nas caravanas? Por que polícia, juízes, MPs e até deputados não querem abrir essa caixa preta para valer? Até quando clubes seguirão financiando desfiles de Carnaval, em vez de proibir a presença de pessoas que barbarizam a vizinhança e vandalizam estações de metrô?”
Ou seja, para Julio Gomes, a solução ideal seria o banimento das torcidas organizadas, a essência da organização popular no futebol contemporâneo. Um dos poucos resquícios que resistiu ao processo de monopolização e especulação que os capitalistas montaram para controlar o esporte mais popular do mundo.
As torcidas organizadas são responsáveis por organizar caravanas de torcidas para outros estados; festas para reunir mais adeptos aos clubes de coração; baterias, bandeiras, faixas e cantos nos estádios; além de realizarem a pressão necessária para que os clubes, controlados por cartolas oportunistas e irresponsáveis (e agora com as SAFs e clubes-empresas, tubarões capitalistas malandros), não sejam totalmente destruídos.
Portanto, as torcidas organizadas são responsáveis por manter o aspecto popular e militante que está presente na fundação e formação de todos os clubes brasileiros. São a expressão de um dos fatores que permitiu que o futebol de um país capitalista atrasado como o Brasil se tornasse a maior potência do esporte mundial: a participação das massas.
Mas o jornalista do Uol inverte as coisas, apontando que os dirigentes são “reféns (ou sócios) dessas turbas” e que, enquanto continuar assim, “nada mudará”. Ele conclui que “o futebol brasileiro precisa voltar a ser das pessoas, não de quem se apoderou dele. Enquanto não for assim, não tem nem por que continuar.”
De fato, o futebol precisa a “voltar a ser das pessoas, não de quem se apoderou dele”, mas não da forma que diz o jornalista cínico. Para o futebol “voltar a ser das pessoas” é necessário justamente colocar os clubes sob o comando de seus torcedores, principal de sua vanguarda: as torcidas organizadas. Isso naturalmente significa expropriar aqueles que “se apoderaram dele” — os cartolas, o imperialismo, os empresários (todos apoiados pela imprensa capitalista, ao estilo do Uol).
Apenas com o controle das torcidas sobre os clubes, esses poderão se desenvolver no sentido de seus verdadeiros interesses, fazendo frente ao tornado especulativo do imperialismo que arrasa suas estruturas, rouba seus jogadores, entre outros ataques.
Mas, enfim, por motivos óbvios, o jornalista do Uol não defenderá essa política. Por isso, defende uma repressão estatal gigantesca contra as torcidas e contra o futebol brasileiro.
“Solução prática? Que sejam paralisados os campeonatos, Brasileiro e Copa do Brasil. Os clubes, estes mesmos que não conseguem se juntar para criar a Liga, precisam sentar em uma sala com representantes do Ministério da Justiça, Polícia Federal, governadores e comando militar para que seja estabelecido um plano sério de ação, com datas para implementação. Câmeras, biometria, punições esportivas a quem não colaborar, punições reais aos CPFs, ou seja, aos indivíduos. É preciso cortar o fluxo de dinheiro que permite a estes caras estar em jogos e viagens. Quem não quiser participar para valer desta luta, não pode participar de campeonatos.”
É compreensivo que Julio Gomes defenda a extinção das torcidas; isso serve aos interesses dos patrocinadores do Uol e de toda a imprensa golpista: o imperialismo. Os especuladores internacionais têm profundo interesse em controlar totalmente o futebol. Sabem que é um mercado que movimenta muito dinheiro, mais inclusive do que muitas áreas do setor produtivo. Por isso, controlar o futebol mundial é fundamental e controlar o futebol brasileiro é, especificamente, fundamental. Extinguindo a vanguarda dos torcedores brasileiros, o processo de tomada de um dos maiores patrimônios culturais do povo brasileiro fica mais fácil.
Não entendem, entretanto, que se o futebol ganhou a magnitude que tem é justamente por causa da participação das massas, de sua paixão pelo esporte. A exclusão do povo do futebol, como querem os capitalistas, seria, portanto, o início da própria derrocada do esporte.