Um dos mais atuantes esquerdistas na campanha contra Lula e o PT é o youtuber do PCB, Jones Manoel. O influencer foi ponta de lança na campanha que procurou vender a ideia de que o arcabouço fiscal de Lula era pior do que o teto de gastos de Michel Temer, além de ter se colocado ao lado de Marina Silva e dos religiosos fanáticos do Ibama que criticaram a perfuração exploratória que a Petrobrás planejava fazer na costa do Amapá para a verificação da possível presença de uma gigantesca reserva de petróleo no fundo do oceano, sob a justificativa de que isso afetaria a Amazônia.
O PCB, partido de Jones, junto com PSTU e outros agrupamentos minoritários, estão procurando trazer a ideia de que o governo Lula seria uma continuação dos governos de Temer e Bolsonaro, o que implicaria numa política de pedir a derrubada de Lula, já que foi essa a política da esquerda com relação aos governos anteriores. Há, portanto uma preparação para o golpismo dentro da esquerda.
Em um vídeo publicado recentemente em seu canal, Jones Manoel afirma que Lula estaria “continuando a política de Temer e Bolsonaro”. Em seu vídeo, ele faz uma crítica à esquerda supostamente revolucionária, que não está “falando sobre” essas ações do governo Lula e o crítica “de uma forma preguiçosa e fácil”, colocando que seria um “governo de conciliação de classes”. No entanto, para Jones, se o governo Lula fosse um governo de conciliação de classes, ele seria “menos pior”. Jones afirma, categoricamente, que Lula “é um governo que está, em várias oportunidades, dando continuidade a contrarreformas estruturais do período Temer e Bolsonaro que foram derrotadas, e o governo Lula está tirando do papel”.
A afirmação tem um impacto grande. Afinal, imputa a Lula a responsabilidade por estar supostamente aprofundando ainda mais os ataques feitos contra a população em dois governos extremamente impopulares e que subiram ao poder, inclusive, pela via de golpes de estado.
Continuando o vídeo, Jones faz referência a um fio que ele mesmo publicou em seu Twitter e que trata dessa questão. Ele começa apresentando um programa elaborado no período de Temer, chamado PPI – Programa de Parcerias e Investimento, cujo objetivo era fechar contratos de desestatização em diversas empresas e áreas de governo, com parcerias de diferentes níveis de aprofundamento com empresas privadas.
Jones continua, noticiando que Bolsonaro teria tentado pegar o PPI de Temer e aprofundá-lo, aplicando a saúde, educação, etc., projeto que teria sido derrotado no Congresso. Segundo Jones, o governo Lula estaria, através do BNDES continuando esse projeto, pois está encaminhando PPPs para creches, hospitais e até para o Meio Ambiente (medida planejada e celebrada por Marina Silva, à qual Jones convenientemente não dá crédito algum). Usando isso como pano de fundo, Jones Manoel procura mostrar que o governo Lula seria o continuador das políticas neoliberais de seus antecessores.
Antes de propriamente entrar nos meandros da desonestidade política e intelectual do youtuber do PCB, é preciso, primeiramente, ressaltar que a política levada adiante pelo governo de privatizar seja o que for é errada e toda a esquerda deve se colocar prontamente contra isso. A crítica deve ser feita e o governo deve ser pressionado a interromper todas as privatizações em todos os âmbitos. Essa política favorece apenas os grandes capitalistas e banqueiros e tem um efeito muito nocivo na qualidade e preço dos serviços fornecidos para a população, além de ser um roubo do patrimônio nacional por parte dos capitalistas.
Qualquer governo que suba ao poder está sujeito à pressão da burguesia que quer colocar as suas mãos em todo centavo produzido pelo Estado nacional. Ceder ou não a esses capitalistas não é uma questão de caráter, mas de clareza política e, principalmente de uma relação de forças favorável. O segundo fator é algo do qual o atual governo não dispõe. Isso ocasiona em diversas concessões criticáveis e que só podem ser combatidas com a mobilização da população que pressione o governo à esquerda e possibilite que ele possa tomar medidas que desagradem à burguesia sobre a base da mobilização.
A desonestidade de Jones Manoel precisa, no entanto, ser ressaltada. A partir da notícia da concessão parcial de um hospital em Guarulhos para a iniciativa privada, o influencer afirma que Lula estaria dando continuidade à política dos governos Temer e Bolsonaro. É preciso ter um senso de proporção. O governo Bolsonaro foi responsável pela privatização da Eletrobrás (medido a qual Lula tenta reverter, sem nenhuma menção ou apoio do pecebista). O Governo Temer foi responsável pela privatização de diversos aeroportos, rodovias, tentou sem sucesso até privatizar a Casa da Moeda.
Comparar as duas coisas é uma desonestidade gigantesca. É evidente que o governo Lula merece uma série de críticas por diversas de suas ações, mas dizer abertamente que ele seria a continuação de Temer e Bolsonaro é assumir uma política golpista. Além disso, foi feito um grande amálgama para justificar a afirmação. O PPI de Temer não necessariamente tem a ver com o que está sendo feito, tratou-se de uma medida geral para facilitar concessões e privatizações em diversas áreas. O que está sendo levado adiante pelo BNDES nesse momento no caso do Hospital de Guarulhos e outros é a PPP – Parceria Público Privada, que aliás, existem desde 2006, sendo um programa que o próprio PT criou, como uma forma de ceder à sanha privatista da burguesia de forma parcial, sem precisar entregar totalmente as empresas. É uma política errada e que não deve ser defendida, mas é diferente do PPI, que era uma medida mais geral e que dizia respeito a todas as privatizações.
Em suma, Jones Manoel reúne em seu discurso todas as tendências do bloco golpista de esquerda que se fecha contra Lula: busca coisas realmente criticáveis feitas pelo governo, mas faz a crítica de forma desonesta, procurando aumentá-la e colocá-la em equivalência com as medidas da direita, ele também mistura diversas coisas diferentes para confundir o interlocutor e fazer parecer que é tudo pior do que é de fato. Por fim, ele faz uma ampla convocação para o restante da esquerda atacar o governo de forma mais intensa, procurando ampliar e orientar o bloco golpista da esquerda, que ainda não assumiu a ofensiva total.