O artigo “O novo ovo da serpente”, publicado nessa terça-feira (20) no Brasil 247 e assinado por Eduardo Guimarães, é uma aula de como deixar o caminho livre para direita fazer aquilo que bem entende. O olho da matéria diz que “Radicalismo, de esquerda ou direita, jamais produziu nada no Brasil além de postergar por décadas o golpe de 1964”. O que é uma colocação extremamente infeliz.
O golpe de 64 foi dado pela direita, pelo imperialismo, a esquerda resistiu contra seus ditames. Se o radicalismo da esquerda produziu a postergação do regime, então a extrema-direita está plenamente justificada, fez o que fez em função da esquerda, não fosse a esquerda. Se tivesse se comportado, ficado dócil, a ditadura teria terminado antes.
Temos de perguntar, de que adianta uma esquerda que não seja radical? O mundo está terrivelmente divido, a maioria da população vive na miséria enquanto meia dúzia de parasitas enriquece explorando os pobres, mas, para alguns: por favor, “nada de radicalismo”.
A realidade contradiz de maneira contundente essa tese, pois a radicalização da classe trabalhadora é que precipitou o fim do regime militar.
Centro?
Essa história de “radicalismo não é bom, não importa para qual lado”, está tentando vender a ideia de que o centro é que seria a melhor saída. No Brasil, quem recebeu o carimbo de centro senão o PSDB? Esse artigo poderia se chamar “O novo ovo de tucano”. No entanto, o que foi que esse ‘centro’, produziu?
Fernando Henrique Cardoso, o FHC, destruiu a indústria nacional, entregou tudo o que consegui para o grande capital internacional. Foram os tucanos que entregaram o Pré-sal para o imperialismo e, não satisfeitos, foram peça fundamental, para não dizer intelectual, do golpe de 2016.
O texto acusa “lideranças de esquerda quere[re]m ver o ‘povo na rua’ – e sob Lula, o que seria, basicamente, o enterro da democracia brasileira”. Como assim? O povo na rua contra um Congresso venal, exigindo a queda de juros, investimentos em saúde, educação, isso aí seria o enterro da democracia, ou seria sua melhor expressão?
O autor diz que “Rapidamente, a extrema-direita sequestraria essas manifestações e seria criada a narrativa de que é uma revolta contra um hipotético ‘estelionato eleitoral’ de mais um petista”. Quem disse? Isso não passa de achismo. Se o povo sair na rua para pressionar a situação à esquerda, com reivindicações populares, como a direita faria para sequestrar essas manifestações se ela é justamente contra tudo isso? As manifestações não podem ser contra o governo – como já estão fazendo setores da esquerda filo-imperialista como PSTU e PCB – mas contra a direita e orientada corretamente, com palavras de ordem populares.
Guimarães afirma que ‘“estelionato eleitoral’ foi a desculpa oficiosa para derrubar Dilma’. Isso não faz a menor diferença. Estavam à procura de um pretexto, tentaram vários, houve uma série de acusações contra Dilma Rousseff, nenhuma colou, não havia nada contra ela. Finalmente, deram um jeito.
Catástrofe
O autor se junta àqueles que ultimamente se prestam a escrever artigos apocalípticos, catastróficos, por isso lemos que “Se esses setores da esquerda não tiverem juízo desta vez, não teremos mais manifestações de esquerda por, talvez, algumas décadas, pois o que virá suplantará exponencialmente o que se viu entre 2016 e 2022”.
De novo a acusação: se vier uma ditadura terá sido culpa do mau comportamento da esquerda. Uma tese completamente absurda. Não existe vazio em política e se a esquerda recuar a direita, ou a extrema-direita, ocuparão o espaço político.
Isso nós vimos acontecer na prática. Quanto mais o senhor Guilherme Boulos negociou com a polícia, para revesar a tradicional Avenida Paulista em São Paulo com a extrema-direita, mais ela foi ocupando esse espaço e empurrando a esquerda para Pinheiros, para o Largo da Batata, para onde Guilherme costumava correr levando as manifestações.
A campanha do “Fique em Casa” durante a pandemia favoreceu a quem? Bolsonaro deitou e rolou enquanto a esquerda pequeno-burguesa ficava ‘lacrando’ na internet. Se a esquerda tivesse ido para as ruas, como fez o Partido da Causa Operário, o PCO, talvez não tivéssemos esse número gigantesco de mortos por covid-19.
A classe trabalhadora, na verdade, nunca saiu das ruas, continuou sendo forçada a ir trabalhar, a pegar condução lotada. Ficar em casa significou não lutar por testagem em massa, pela compra de vacinas, pela quebra das patentes, pela vacinação da população.
Chegando para o final, tentando dar uma amenizada no texto para lá de centrista, Guimarães diz que apoia “os movimentos de mulheres, de sem-terra, de sem-teto, a presença do Estado na economia, a luta histórica e interminável contra o racismo e o machismo, o direito e o respeito à orientação sexual de cada um, a necessidade imperiosa de distribuição de renda, a taxação das fortunas e, se fosse possível, uma revolução socialista, pois o capitalismo é um zumbi que segue destruindo a humanidade”. (grifo nosso)
Apoia como, do sofá? Se as mulheres, sem-terra, sem-teto etc. ficarem lacrando na internet, lamentamos informar, mas a direita vai passar um trator em cima da esquerda e desses movimentos.
O articulista disse que apoiaria uma revolução “se fosse possível”, mas não acredita que seja. Para a classe operária a coisa é diferente, pois a população não tem como ficar em casa, a vida é urgente. Daí a importância de movimentar a classe trabalhadora e lutar por sua emancipação, o que só poderá ser realizado ocupando e lutando nas ruas. Mas o problema nem é discutir se haverá uma revolução e quando haverá. O problema é que, para conseguir direitos fundamentais para sua sobrevivência, o povo precisa sair às ruas.
Ficar debaixo da cama escondido com medo de despertar a raiva da extrema-direita é tudo o que eles querem, pois conseguirão tomar conta do ambiente político sem qualquer tipo de resistência.