Uma consulta médica é, em essência, um encontro entre pessoas. Uma delas vai relatar seu sofrimento, falando o dialeto de suas dores, da forma mais precisa que puder, enquanto a outra, através do saber formal ou informal adquirido, vai procurar traduzir o que escutou para o seu conceito de saúde e doença. Assim, os médicos filtram o que os pacientes relatam, capturando tão somente o que faz sentido para sua compreensão das doenças. Ou seja, ele escolhe apenas o que pode entender, aquilo que se ajusta na concepção de enfermidade que faz uso.
Se alguém disser ao médico que tem tristeza ao anoitecer isso será provavelmente inútil; esta junção pouco auxilia na maneira como um profissional vai entender sua doença. Caso venha a lhe contar que sua náusea melhora pela manhã ou quando faz frio, também esse relato não será de utilidade para a imensa maioria dos profissionais. Se disser que sua ansiedade piora em espaços abertos, poucos verão nesse sintoma um indicador importante. Os médicos apenas compreendem o seu idioma, e forçam seus pacientes para que se comuniquem com a língua que entendem.
Por outro lado, a história do paciente é sempre rica de elementos raros, estranhos, peculiares – e essencialmente subjetivos. Somos um manancial infinito de histórias, sentimentos, memórias e significados e todos estes elementos são estruturantes de nossa vida, assim como dos sintomas que usamos na busca por equilíbrio. A propensão da medicina ocidental, por seu turno, é sempre produzir generalizações, tentando entender aquilo que nos configura enquanto humanos, o que nos une e produz similitudes. Desta forma, as histórias que falam da nossa individuação, o que nos torna únicos e irreprodutíveis, são pouco úteis aos ouvidos de quem não deseja escutar a linguagem pessoal da dor, além de atrapalharem a perspectiva homogeneizante da biomedicina tecnocrática.
Em verdade, o conjunto de sintomas que o paciente traz ao seu médico é sua verdadeira riqueza. Como joias despejadas na frente do terapeuta, elas revelam aquilo que nem mesmo o paciente mais atento é capaz de perceber. São suas melhores ferramentas, construídas ao longo da vida pela herança, as quais serão usadas para produzir a homeostase que todos buscam. Todo sintoma, por mais danoso e sofrido que seja, carrega essa finalidade última, e por isso são sinalizadores criptografados da estrutura mais profunda e íntima do sujeito.
Saber decodificar estes sinais, através da escuta livre e isenta de preconceitos, é a tarefa primordial de qualquer terapeuta.