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José Álvaro Cardoso

Graduado pela Universidade Federal de Santa Catarina, mestre em Economia Rural pela Universidade Federal da Paraíba e Doutor em Ciências Humanas pela UFSC. Trabalha no DIEESE.

Economia

E se o presidente pudesse encaminhar apenas uma medida econômica?

"Se quisermos compreender o que acontece com a classe trabalhadora brasileira temos que olhar com atenção os dados disponíveis de salário e rendimento"

Se quisermos compreender o que acontece com a classe trabalhadora brasileira – esmagadora maioria da população – temos que olhar com atenção os dados disponíveis de salário e rendimento: o rendimento médio real mensal habitual dos trabalhadores foi de R$ 2.880, 00 no primeiro trimestre de 2023, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD-IBGE). Este valor representa 43,29% do salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, para uma família de quatro pessoas (R$ 6.652,09). Ou seja, o rendimento médio mensal habitual não chega à metade do que deveria ser o salário mínimo necessário para suprir os gastos com as necessidades básicas de uma família da classe trabalhadora. 

Dadas essas condições, é evidente que salário e emprego estão no centro das preocupações dos trabalhadores. O DIEESE realiza uma pesquisa sobre greves no Brasil, que é a única regular do país, chamada SAG (Sistema de Acompanhamento de Greves). Segundo essa pesquisa foram registradas em 2022, 1.067 greves, um aumento de 48% em relação a 2021 (em 2021 tinha a pandemia). Do total das greves, 54% foram organizadas por servidores públicos, 40% por trabalhadores do setor privado e 5% por trabalhadores de estatais. Segundo esses dados, as motivações principais das greves no Brasil em 2022 foram: 

  • Pagamento de Salários: 42%
  • Piso Salarial: 27%
  • Alimentação: 20,1%
  • Pagamento de 13º salário/férias atrasadas: 19,6%

São todas reivindicações diretamente econômicas, como seria de se esperar.  São greves realizadas pela sobrevivência do trabalhador e sua família. Creio que esses dados mostram duas coisas: 1ª) As questões centrais para os trabalhadores brasileiros são as questões econômicas; 2º) revelam, ao mesmo tempo, a própria precariedade da condição dos trabalhadores no Brasil. Afinal, greve por pagamento de salários, aparece com maior frequência entre as motivações dos movimentos, o que revela a situação precária em que vive a maioria dos trabalhadores brasileiros. 

É possível ilustrar com riqueza o nível de exploração dos trabalhadores no Brasil pelos números do salário-mínimo. O valor do salário-mínimo atual (R$ 1.320,00, reajustado agora em maio), é comprometido em 64,85% na aquisição de uma cesta básica para um adulto, que na cidade de São Paulo custou R$ 791,82 em maio (a mais cara no mês passado, entre as 18 cidades onde o Departamento realiza a pesquisa). O salário mínimo necessário calculado pelo DIEESE está estimado em R$ 6.652,09, equivalendo a 5.04 vezes o mínimo atual. Ou seja, o salário-mínimo é uma micharia total, que não dá para nada.  

Como, do total de ocupados na economia brasileira, quase 70% recebem até 2 mínimos (R$ 2.640,00), a valorização do salário-mínimo teria um impacto decisivo no Brasil. Além desses trabalhadores que recebem até 2 mínimos, dos 37 milhões de benefícios pagos mensalmente pela Previdência Social (INSS), quase 70% são de um salário-mínimo. O DIEESE calcula que 60,3 milhões de brasileiros tem o seu rendimento referenciado no salário-mínimo, incluindo empregados, trabalhadores autônomos, empregados domésticos, empregadores, aposentados e pensionistas. Ou seja, para uma população ocupada de cerca de 108 milhões, o salário-mínimo é referência para 60 milhões de brasileiros. 

Com o padrão de desemprego e subemprego, e com os salários existentes no Brasil, não é por acaso que cerca de 23% da população – em torno de 50 milhões de brasileiros – depende do Bolsa Família para não morrer de fome. Esse último é um indicador inapelável, inclusive, do retrocesso econômico-social que o golpe de 2016 representou para o Brasil. Afinal de contas, em 2014, o Brasil tinha saído do Mapa da Fome da ONU, o país não tinha uma epidemia de famintos como tem hoje. Política pública, em qualquer área, que arrasta mais da metade da população à condição de insegurança alimentar, no país que é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, e com as riquezas que o Brasil dispõe, está errada por princípio. Não precisa de analista econômico ou social, para descobrirmos isso. 

O rendimento nominal mensal domiciliar per capita da população residente no Brasil, é um cálculo elaborado pelo IBGE, a partir dos rendimentos do trabalho e de outras fontes. Em dezembro de 2014 esse rendimento era de R$ 1.052 (primeiro da série histórica). Esse valor adquiria, à época, três cestas básicas (2,97), calculada pelo DIEESE, que, na cidade de São Paulo (para ficarmos no mesmo exemplo anterior), custava R$ 354,19. Em maio o valor atual deste indicador, que é de R$ 1.625,00 era suficiente para comprar apenas 2 cestas básicas. Ou seja, medida por alimentos básicos o rendimento mensal da população caiu 33%, um terço, em oito anos. Isso é perda de salário real, na veia. 

No mesmo período em que ocorreu essa perda de rendimento (2015 a 2022), oito anos, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu – ainda que muito abaixo do que poderia. Ou seja, a economia ficou maior, a produção de riquezas aumentou, mas os trabalhadores diminuíram seu poder aquisitivo, sua capacidade de comprar alimentos. Cresceu a produção de riquezas, mas a população ficou mais pobre.

O arrocho de salários e renda é um mecanismo pesado de compensação da crise estrutural que atravessa o sistema capitalista mundial, há muitos anos.  Um cálculo de inflação, o INPC-IBGE, por exemplo, o mais utilizado nas negociações, é uma média de variação de preços, na qual entram centenas de produtos que a maioria dos trabalhadores não consome. Produtos da cesta básica, com 13 alimentos essenciais, praticamente todos consomem, por isso são uma boa referência de medição dos salários, especialmente os da base da pirâmide.

Aquilo que muitas vezes constatamos por simples observação dos fenômenos visíveis, de que o Brasil possui imensos recursos, mas estes não servem ao povo brasileiro, e sim à burguesia nacional e estrangeira, fica evidenciado por dados simples e diretos como esses. Os dados do salário-mínimo, sozinhos, são uma espécie de Raio-X da superexploração do trabalho no Brasil. Ao mesmo tempo, indicam o significado econômico, social, político e cultural, que teria uma política consistente de valorização do salário-mínimo. 

Um aumento significativo do salário-mínimo, feito através de um plano cuidadoso, visando chegar no médio prazo a um valor digno, teria um impacto verdadeiramente transformador da realidade brasileira. Penso que, em uma situação hipotética, na qual o presidente da república estivesse autorizado a tomar somente uma medida econômica, esta deveria ser a de valorização do salário-mínimo, subordinando as demais políticas a esta, que seria a balizadora, a referência, das demais. Tecnicamente, a economia brasileira consegue pagar um salário-mínimo decente a todos os cidadãos e cidadãs? A resposta é um categórico sim. Mas o problema não é técnico, e sim de correlação de forças no País.

* A opinião dos colunistas não reflete, necessariamente, a opinião deste Diário

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