A Colômbia é uma das maiores vítimas dos Estados Unidos, e sua tragédia política está vinculada à sua posição geográfica, por se posicionar entre o Caribe e o Oceano Pacífico. Sendo, deste modo, um dos primeiros países cobiçados pelo então emergente imperialismo norte-americano. Após a Guerra dos Mil Dias, entre Liberais e Conservadores, os EUA manobraram as forças políticas do Panamá a se separarem da Grã-Colômbia. Em 1903, a República formada por Bolívar na independência de 1811, se fragmenta ainda mais (já que Venezuela e Equador já tinham se declarado independentes da Grã-Colombia.
Apesar da guerra civil e da tomada do Panamá pelos EUA, a Colômbia não ficou mais independente que o istmo, ao contrário, foi teatro de uma das maiores ditaduras da América Latina, sendo um dos países do continente que jamais teve governo de esquerda, mesmo uma tão moderada como esta de Gustavo Petro. A situação mais próxima de ter um governo nacionalista foi em 1949, com Jorge Eliécer Gaitán, que embora fosse do Partido Liberal, era popular e tinha uma plataforma nacional de desenvolvimento. Por esse posicionamento foi assassinado pelo imperialismo antes das eleições, em abril de 1948. Esse assassinato acabou promovendo uma convulsão social, inaugurando o período de radicalização política, abrindo caminho para a formação de partidos extraparlamentares, guerrilhas e milícias paramilitares.
Esse estado de coisas fez com que os EUA fortalecessem sua posição de dominação no país, estabelecendo bases e infiltrando agentes da CIA e, não tardando, criando em 1973, o Drug Enforcement Administration (DEA). A função do DEA era promover, por intermédio de uma “guerra justa” aos olhos da população, uma penetração em diversos países produtores de drogas. A Colômbia foi o primeiro país a receber o DEA em seu território, visando combater as guerrilhas e os representantes do narcotráfico, ao mesmo tempo em que formava grupos paramilitares.
A defesa de Petro
Em um dos países mais diretamente dominado pelos EUA, juntamente com o Chile e Paraguai, a Colômbia praticamente se tornou um protetorado. As eleições sempre foram organizadas pelos EUA e pelas milícias paramilitares em conjunto com a OEA. A luta contra as guerrilhas sempre serviram de plataforma para manter a Colômbia nas mãos do imperialismo. Assim, aos poucos, com base do dinheiro e da coação, as FARC foram praticamente rendidas, se tornando um partido da ordem. A condição colombiana acirra níveis de violência devido ao domínio imperialista, assim como faz com que este crie formas de domesticar a esquerda institucional.
Petro veio de um movimento guerrilheiro, mas com características pequeno-burguesas. Entrou nas eleições como ex-alcaide (prefeito) que tomou um golpe em 2013, retirado pelo imperialismo, apesar de sua conduta moderada, mas como político advindo de lutas dentro da esquerda, ameaçava com possibilidades de ser eleito em 2014. Conseguiu provar inocência e se tornou senador entre 2018 e 2022, e trabalhou sua plataforma frente-amplista, descaracterizando ainda mais o pouco programa de esquerda. Em 2020 formou o Colombia Humana, partido aos moldes do Podemos da Espanha, do PSOL, no Brasil e da Convergencia Social do Chile.
Por dentro do Congresso e por fora, Petro avançou uma campanha com base no desgaste da extrema-direita e do programa neoliberal avançado, inclusive em relação ao Chile de Piñera e do Brasil pós-golpe de Estado. Petro acabava sendo um dos políticos mais aderentes ao conjunto da população mais pobre e setores da classe média, embora sem ruptura com a economia, a não ser algumas reformas. O identitarismo acabou sendo a alavanca de Petro, que tem como vice-presidente, a membro da USAID, a Francia Elena Márquez Mina.
Essa política de frente-ampla, no caso de Petro, pode ser caracterizada como a política dos EUA para a América Latina, ou seja, impor a Agenda da ONU e o identitarismo para facilitar o domínio. Embora Petro esteja imerso na ordem pequeno-burguesa, é um político que vem propondo um conjunto de reformas que estão sendo boicotadas pelo imperialismo. Há dois meses, desde que Petro colocou na mesa as reformas que poderiam dar um pequeno alívio à população colombiana mais carente, os militares estão tutelando o regime; a imprensa está atuando para inviabilizar qualquer mudança e setores de “extrema-esquerda” urbanos atacam Petro de conciliador. Contudo, sem tempo para esses setores sectários, milhares de pessoas tem saído às ruas para denunciar a tentativa de golpe por parte do conluio entre imprensa e militares, impulsionados por setores onguistas como a própria USAID. A vice-presidente tem se colocado distante do núcleo da defesa de Petro.
Situação de Petro
Com o que foi executado até agora, Gustavo Petro confrontou a ordem herdada. Fê-lo com os instrumentos legais concedidos, os mesmos da burguesia para governar, mas sem apoio institucional. O que repetem sobre o presidente colombiano: “Petro não sabe chegar a consenso”, “é autoritário”, “não gosta de ser contrariado”, “promete coisas impossíveis de fazer, para ganhar apoio e perpetuar-se no poder, enquanto desilude os seus eleitores”. A imprensa nutre a opinião pública com essas falas, mas o povo não tem caído nessas colocações da imprensa. De fato, Petro tentou iniciar o governo como um Boric, mas está agindo diferente do esperado pelo imperialismo, pelo menos no que se refere às questões econômicas que agitam o setor financeiro.
A imprensa tem atuado no sentido de guiar uma crise política, econômica, social, de segurança e institucional; e assim ver a única esperança de esquerda da Colômbia naufragar, e assim levar a esperança de milhões para o fundo do oceano. A burguesia acreditava que manejaria Petro de forma mais simples, como fizeram como Boric, porém a luta no interior do governo tem sido para fazer Petro renunciar às condições dadas pelo próprio regime político colombiano. Tentam recorrer à violência e à destruição para impedir a todo custo pequenas reformas. Com isso Petro tem denunciado que não consegue estabelecer sequer um governo de coalizão posto pelas condições da Constituição de 1991.
A vitória eleitoral não deu poder à Petro
Em 2022 o governo estava organizado sob as regras da grande burguesia, porém Petro surpreendeu ao propor reformas neste ano. O presidente da Colômbia rompeu com a direita, demitiu ministros que o sabotaram, propondo reformas radicais em todos os campos sociais. Apesar dos erros táticos de toda a história da esquerda, e de ameaças de morte, além da histeria da imprensa, Petro parece imbuído de avançar reformas. O bloco do Pacto Histórico carece de coordenação não só com o governo, mas também entre os congressistas, o que será difícil acontecer, por isso a mobilização popular mesmo diante de um bloco frente-amplista. O equilíbrio legislativo é interessante, mas insuficiente.
A reforma tributária em andamento, assim como o Plano Nacional de Desenvolvimento tentam ser postos em votação a contento. A executiva nacional, com poderes presidencialistas maiores que no Brasil, é um espaço de poder, por isso avança a tentativa de golpe. Ciente disso, o presidente está usando as ferramentas à sua disposição para redistribuí-lo em chave popular e contra os interesses da burguesia.
Novamente é preciso recordar que Gustavo Petro chegou ao governo também pela mão de setores da burguesia e isso o coloca numa posição muito delicada, a mais frágil até o momento. A crise se dá na reforma tributária, que reduziu de 50 bilhões de receita anual para 20 bilhões. Uma reforma que, no entanto, é a mais progressiva, em termos tributários. Aconteceu também com o Plano Nacional de Desenvolvimento que, embora o Governo tenha perdido postos (como os poderes extraordinários para constituir órgãos importantes em sua proposta de reconstituição do papel do Estado na construção da equidade territorial), avançou em outros, como as ferramentas para a compra de terras necessárias para tornar realidade a reforma agrária.
Petro não é ingênuo, embora tenha feito mudanças bruscas devido à pressão política em que se encontra o país, tem feito sob as ferramentas legais da Colômbia, embora o fulcro das denúncias seria uma suposta guinada autoritária. Por hoje, Petro demonstrou que pretende atuar para a população mais carente também, talvez conseguindo êxito de uma pequena reforma agrária, caso o povo decida investir na defesa do presidente como vem fazendo até o momento.