A revista Fortune Global publica anualmente a listagem das 500 empresas mais lucrativas do mundo, informações que sempre nos impressionam. Segundo os dados que a revista publicou em 2022, que traz as maiores empresas do mundo pelo critério de faturamento, durante o ano fiscal de 2021, a China continental (incluindo Hong Kong), possui o maior número de empresas na lista, 136. Quando inclui Taiwan (Grande China), o número alcança 145. Em segundo lugar vem os EUA com 124; Japão em terceiro lugar, com 47 empresas entre as 500.
Segundo o editorial da Fortune Global os lucros agregados das empresas listadas atingiram níveis recordes no ano fiscal de 2021, gerando receitas de 37,8 trilhões de dólares, que equivale a mais de um terço do Produto Interno Bruto (PIB) mundial. Os lucros cresceram 19% em relação ao ano anterior, assinalando a maior taxa de crescimento anual nos 33 anos de história da revista.
As empresas que compõem a lista de 2022 têm 69,6 milhões de empregados em todo o mundo e estão sediadas em 229 cidades e 33 países (são 193 países no total). O Brasil possui apenas 7 empresas no ranking das quinhentas maiores: Petrobras (28ª posição), Banco do Brasil (125ª), Itaú Unibanco (138ª), Banco Bradesco (203ª), Vale (218ª), JBS (251ª) e Ultrapar Holding (430ª), sendo a primeira delas a Petrobras, que é a maior empresa brasileira há muitos anos. Considerando as condições raras do Brasil (PIB expressivo, recursos naturais abundantes, população grande e território imenso), o baixíssimo número de companhias entre as quinhentas maiores, revela o domínio internacional do imperialismo e a hegemonia econômica dos países que têm projeto de desenvolvimento.
Os dados são também um indicador importante das razões pela quais o imperialismo norte-americano, que há algumas décadas dominava a mencionada lista, está travando uma luta de vida ou morte contra os países que compõem o BRICS (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). A começar pela Rússia, fustigada pelos norte-americanos com uma guerra por procuração, na qual os ucranianos são usados como verdadeira bucha de canhão.
Mostra também o peso fundamental que tem o petróleo na economia internacional e porque a Petrobrás foi um dos principais alvos do golpe de 2016. Já apontamos aqui, em outros artigos que a renda petrolífera no Brasil, não está ao serviço da população, mas serve aos interesses dos especuladores e outros espertalhões, detentores de capital. O país é o 10º produtor do mundo, o maior da América Latina, acima da Venezuela e do México. Como se sabe, o petróleo é “ouro negro”, pois não tem substituto a curto prazo como matéria-prima e fonte de energia. Mas a parte do leão da renda petroleira fica com as multinacionais privadas, os bancos, que financiam o negócio e querem a maior margem de juros possível. Se apropriam também da renda petroleira as empresas estatais estrangeiras, que visam preservar a segurança energética de seus países. Preferem inclusive transportar o óleo bruto para refinar em seus países, agregando valor e gerando emprego qualificado na riquíssima cadeia do petróleo. E a renda petrolífera é apropriada também pelos especuladores da bolsa, seja aqui, seja em Nova Iorque.
A análise da lista da Fortune é sempre muito instrutiva e desfaz ilusões acerca de como funciona o mundo das grandes transnacionais que dominam a economia, seja através dos mecanismos de mercado, comandado pelos grandes monopólios, seja através dos mecanismos políticos, como participação e financiamento de candidatos nos países onde atuam, de participação em golpes de Estado etc. Claro, e pelo mecanismo das guerras, especialidade dos EUA, cujo orçamento militar é superior aos 10 países que vem em seguida no ranking dos maiores orçamentos militares do planeta. O fato é que o poder inigualável dessas corporações que centralizam a economia, é uma das principais expressões da dominação imperialista mundial, que foi forjada, literalmente, à ferro e fogo.
Apesar do processo de desindustrialização que vive o Brasil desde meados da década de 1980, o país é ainda o mais industrializado da América Latina. Além de inúmeros casos semelhantes no Brasil e em outros países subdesenvolvidos, é propositalmente desconhecido da maioria dos brasileiros o da empresa brasileira ENGESA (Engenheiros Especializados S/A), criada em 1958 por José Luiz Whitaker Ribeiro. Já relatei esse caso em outro artigo. Em 1958, a ENGESA (Engenheiros Especializados S/A) foi criada, produzindo inicialmente componentes para a exploração de petróleo, para a Petrobrás. No começo dos anos 1970, estavam em desenvolvimento no Parque Regional de Moto-mecanização, da 2ª Região Militar, os blindados S/R Cascavel e Urutu. Convidada pelos militares para participar do empreendimento, em 1974, a empresa começou a vender para a Líbia o blindado Cascavel, equipado com canhão de 90 milímetros. A empresa vendeu esse equipamento para 18 países, do Oriente Médio, África, América do Sul e Mediterrâneo.
Nos anos de 1980, a empresa desenvolveu um projeto de carro de combate, o Osório, armado de canhão de 120 milímetros. O projeto era brasileiro, mas absorvia os melhores componentes existentes no mercado mundial, visto que esse tipo de produto requer alta tecnologia, de forma a poder competir com os concorrentes mais modernos, que se localizam em alguns poucos países do mundo. Naquela época, quando a indústria tinha ainda um maior peso no PIB brasileiro, a taxa de importação era comum nos armamentos brasileiros, em função da alta tecnologia necessária. A ENGESA teve que fazer uma verdadeira peregrinação para localizar os detentores das melhores tecnologias, inclusive pelas retaliações sofridas. Por exemplo, a empresa G.L.S., subsidiária da Krauss-Maffei, convenceu outras empresas fornecedoras a não colaborar com o projeto do Osório.
Em 1985, a Arábia Saudita, interessada na compra, chamou Alemanha, Brasil, EUA, França, Grã-Bretanha e Rússia a levarem seus carros de combate para demonstração in loco. A ENGESA participou com o carro Osório. Em 1987, a Arábia Saudita chamou para uma segunda avaliação, os carros de combate que tinham ido melhor na primeira: o Abrams norte-americano, o AMX 40 francês, o Challenger britânico e o Osório brasileiro. Tudo indica que a ENGESA venceu a disputa, tanto que assinou com o governo da Arábia Saudita um pré-contrato no valor de US$ 2,2 bilhões, para a fabricação de 316 carros de combate.
Nessa altura dos acontecimentos, entrou em campo a mão pesada da maior força da terra que impediu a continuação do negócio. O Departamento de Estado e o Departamento de Defesa norte-americanos movimentaram suas forças, forçando o governo da Arábia Saudita a comprar o Abrams, apesar da preferência desse governo pelo Osório. Não se sabe que “argumentos” os norte-americanos utilizaram com os sauditas, mas o negócio com a ENGESA foi cancelado.
A empresa brasileira, que havia contraído empréstimos para direcionar seus esforços no sentido da construção do carro, pediu concordata em 1990. Depois de muitas tentativas frustradas de saneamento da empresa, num período no qual o Brasil já tinha ingressado na onda neoliberal, decretou-se a falência da empresa em 1995. Todo o material do acervo tecnológico da ENGESA foi transferido para a fábrica de Piquete (em São Paulo), com exceção dos projetos do Osório, que curiosamente, não foram encontrados em lugar nenhum. Em 2005 a fábrica de São José dos Campos foi vendida para a EMBRAER. Por falta de projeto nacional de desenvolvimento o Brasil perdeu uma companhia fundamental para o país obter autonomia em muitos itens de emprego militar, fundamentais inclusive para a própria soberania territorial do país. Até hoje não se sabe o destino do acervo tecnológico que estava na fábrica. Incluindo os projetos do carro de combate, Osório.
A indústria brasileira, ainda é a indústria mais diversificada da América Latina, apesar de todas as ações para destruí-la, principalmente nas últimas décadas. A Petrobrás é expressão disso. Se o Brasil tivesse independência política dos países imperialistas, seria um dos mais industrializados do mundo. A industrialização do país, no período 1930/1980, é uma história grandiosa no processo de edificação da nação brasileira. O problema é fundamentalmente político. Se o país tivesse uma política econômica soberana, com projeto nacional de desenvolvimento, teria aqui muitas empresas de primeira linha, com capacidade de disputar mercados mundiais. O problema central para o país se desenvolver é romper com as amarras neocoloniais.
Artigo publicado, originalmente, em 28 de março de 2023.