A semana que se encerra amanhã está sendo marcada por uma enorme escalada na crise institucional entre o governo Lula e o Congresso.
Na terça-feira (30), a Câmara dos Deputados aprovou, com folgada maioria, o Projeto de Lei 490/2007, o chamado PL do Marco Temporal, que restringe a demarcação das terras dos índios. O projeto, impulsionado pelos latifundiários, contraria, naturalmente, os interesses do governo, que conta com um apoio expressivo dos sem terra. No dia seguinte (31), a mesma Câmara aprovou uma moção de repúdio à vinda de Nicolás Maduro, presidente da Venezuela, ao Brasil. A moção não tem qualquer consequência prática para o Brasil ou para a Venezuela; no entanto, trata-se de uma afronta a Lula que revela bem o caráter do Congresso: a maioria de seus elementos são direitistas, capachos do imperialismo e dispostos a brigar com o governo nas menores questões.
Ambas as votações ocorreram em um cenário que já era bastante negativo para Lula. O governo enfrenta a Comissão Parlamentar de Inquérito do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a CPI do MST, e a Comissão Parlamentar Mista da invasão das sedes dos Três Poderes, a CPMI do 8 de janeiro. A primeira é uma iniciativa dos latifundiários, que poderá levar até à prisão de lideranças da luta pela terra e até mesmo de elementos do governo. A segunda é uma iniciativa da extrema-direita, que tem como objetivo responsabilizar o governo pela invasão da praça dos Três Poderes.
Mas o evento mais significativo que ocorreu nesta semana foi a votação da Medida Provisória de reorganização dos ministérios do Poder Executivo. Essa seria, a princípio, uma mera formalidade: o governo eleito decidiu fazer algumas modificações administrativas que deveriam ser automaticamente aprovadas pelo parlamento, salvo se houvesse alguma infração constitucional. O governo foi eleito justamente para que pudesse escolher as pessoas de sua confiança – e não as do adversário -, de modo que essas desempenhem uma função que esteja de acordo com o seu programa – e não o de seu adversário.
O que se viu não foi nada perto disso. Arthur Lira, o presidente da Câmara dos Deputados, não fez qualquer esforço para esconder o que estava realmente em disputa na votação. O problema não era uma avaliação do mérito da MP, mas sim pura chantagem. A MP expiraria no início do mês de junho e, caso não fosse votada, Lula teria de governar com a estrutura herdada pelo governo Bolsonaro. Ciente de que Lula estava com a corda no pescoço, Lira se aproveitou para extorquir o governo.
A extorsão, no entanto, é muito pior do que parece à primeira vista. É tradicional no regime político brasileiro que, em toda votação importante para o governo, o Congresso Nacional, composto por picaretas de toda a espécie, exijam uma “boquinha” para votar de acordo com o Executivo. A compra de parlamentares é parte do funcionamento normal do parlamento no atual regime político – a única diferença é que há projetos em que se precise lançar mão de mais recursos e projetos mais baratos, a depender da resistência que os deputados oferecem à sua aprovação. No entanto, conforme tem se visto, o preço que Lula terá de pagar para conseguir um apoio no Congresso é imensurável.
Isso acontece por uma razão muito simples: a burguesia inteira está contra o governo. E o Congresso, sendo ele direitista, não se sente minimamente pressionado a votar a favor das medidas do governo Lula, que estão em choque com os interesses dos grandes capitalistas. A correlação de forças é extremamente desfavorável. A direita é franca maioria no Congresso, o governo se mostra emparedado e desmoralizado por todas as instituições não eleitas: Banco Central, Supremo Tribunal Federal, Polícia Federa etc. A única conclusão a que se pode chegar é que Lula não conseguirá, por meio da “negociação” com o parlamento, aplicar a sua política.
Arthur Lira já chegou a essa conclusão. Verdadeira raposa política que é, o presidente da Câmara conhece cada deputado e sabe o poder que tem. Sabe que um ministério, um cargo qualquer ou mesmo R$1,7 bilhão de emendas parlamentares é muito pouca coisa a ganhar quando ele tem condições de colocar trezentos canhões apontados para o Palácio do Planalto.
Ao que tudo indica, diante desse cenário, Arthur Lira decidiu, assim, fazer uma “proposta” ao governo Lula. A tal “proposta”, no entanto, seria um golpe branco, uma mudança significativa na situação política: o presidente da Câmara quer que Lula modifique profundamente o seu governo – isto é, que demita alguns de seus ministros e outros encarregados para colocar, em seu lugar, pessoas ligadas à máfia que controla o Congresso Nacional. O que está em jogo no momento, portanto, seria o controle do governo – isto é, se Lula seguirá em condições de levar adiante o que se dispôs a fazer ou se será uma fachada para um governo do chamado “centrão”.
Seria, na prática, algo semelhante ao que foi feito durante o governo Bolsonaro. Logo no início do governo, o então presidente Jair Bolsonaro tentou ter uma política mais independente – fracassou miseravelmente e acabou refém do mesmo Arthur Lira. Isso, embora tenha gerado algum desgaste com sua base, não teve consequências tão desastrosas, uma vez que Bolsonaro e o Congresso, apesar das diferenças, são instrumentos da burguesia. Em um governo Lula, isso seria inviável. Isto é, seria a morte do governo, pois ficaria impossibilitado de fazer qualquer coisa que se dispôs a se fazer.
A única forma de impedir que Lira seja bem sucedido é modificando a correlação de forças. É preciso criar as condições para um enfrentamento, mobilizando os trabalhadores contra a direita.