Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-procurador e “justiceiro” da Lava Jato e agora deputado federal teve seu mandato parlamentar cassado por determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nessa terça-feira (16), o que o transforma, pelo menos enquanto a decisão não for revertida, também em ex-deputado.
O justiceiro da Lava Jato, que ficou famoso pela incrível tentativa de transformar uma apresentação escolar de Power Point em prova contra Lula, acabou provando do próprio veneno. A acusação contra Dallagnol foi a de ter fraudado a Lei da Ficha Limpa por pedir exoneração do MPF em 2021 para se livrar de uma possível demissão já que corria contra ele 15 processos disciplinares.
Foi essa banalidade que deu ao Ministro do TSE o direito de tirar o mandato de um deputado eleito.
Era exatamente isso o que queriam os defensores da Lei da Ficha Limpa, Dallagnol incluindo: usar qualquer pretexto para perseguir politicamente.
Falar que Dallagnol sofreu do próprio veneno, falar que ele é um verdadeiro idiota, falar que ele é um material que foi usado pela burguesia para dar o golpe de Estado e agora é jogado no lixo; tudo isso muita gente já sabe. Mas qual deveria ser a posição correta sobre o que aconteceu?
A esquerda pequeno-burguesa apressou-se em comemorar mais um caso em que o Judiciário (a Monarquia voltou ao Brasil e atende por esse nome) passa por cima do Congresso, da eleição, dos votos e cassa um deputado. Se o próprio Dallagnol quis isso ao defender os métodos da Lava Jato, pouco importa. O que importa mesmo são os efeitos nefastos disso tudo.
O dirigente da corrente Resistência do PSOL, Henrique Canary, fez uma coluna no portal da organização chamada: “Já foi tarde: os crimes de Dallagnol” onde comemora a cassação do deputado.
“A condenação de Dallagnol é mais do que correta porque os processos que ele enfrentava no CNMP são exatamente a expressão das barbaridades impetradas pelos procuradores da Lava Jato em conluio com o juiz do caso, o hoje senador Sergio Moro.”
Segundo Canary, portanto, os crimes cometidos por Dallagnol justificam sua cassação. Que o ex-procurador cometeu crimes, é inegável. Mas será mesmo que isso é motivo para apoiar sua cassação? É claro que não.
A esquerda pequeno-burguesa apoia esse tipo de medida do Judiciário porque esqueceu de princípios básicos da política, o primeiro deles é que se uma arbitrariedade é cometida contra uma pessoa, não importa quem seja essa pessoa, ela será cometida contra qualquer um. Se os crimes de Dallagnol justificam que o Judiciário possa intervir na eleição e no Congresso, o povo está à mercê de qualquer justificativa para perder seus direitos.
Foi o que fizeram com Lula. Prenderam o ex-presidente passando por cima de direitos democráticos básicos. E tudo foi feito com as melhores intenções: a luta contra a corrupção.
Enquanto temos o caso de Dallagnol, um caso apenas, Lula foi preso, Bolsonaro governo o País por quatro anos, o golpe de Estado devastou o Brasil. Além disso, quem garante que outros trabalhadores e militantes da esquerda também não serão perseguidos pelos mesmos motivos do “bem” que agora perseguem Dallagnol? Não só ninguém garante como com certeza aconteceu e vai acontecer.
“A Lava Jato, muito mais do que uma grandiosa operação jurídico-policial, foi o prelúdio da vitória do fascismo no país. Ela acendeu a chama da vingança e do ódio de classe contra as empresas públicas, o PT e a esquerda em geral.”
Para justificar o que aconteceu com Dallagnol, Canary usa argumentos que não têm nenhuma relação com o problema em si. A lógica de Canary é a seguinte: uma pessoa é presa e torturada (vamos lembrar que a tortura é crime), ao invés de discutir que não se deve torturar, que a polícia não tem esse direito, denunciar o Estado policial etc, Canary levanta os crimes que levarão o torturado a ser preso, justificando a tortura.
O raciocínio é similar ao da extrema-direita bolsonarista quando afirma que não se deve “passar a mão na cabeça de bandido”.
Para quem ainda não entendeu, trata-se do seguinte. O Judiciário não pode ter o poder de passar por cima do Congresso, não pode ter o poder de modificar uma eleição. Isso é um princípio democrático fundamental. Se um crime justificar a tortura, abre-se o precedente para que a tortura se torne legal. Se os crimes de Dallagnol justificam que o Judiciário pode passar por cima da Constituição, abre-se o precedente (que já está escancarado no Brasil) para que isso aconteça com qualquer um.
E Canary passa o artigo todo tentando mostrar que o bandido Dallagnol, que sem dúvida é um criminoso canalha, é tão bandido que merece todo o rigor da lei, até o rigor que vai fora da lei. Canary nem sequer pergunta a si mesmo se todo esse rigor não poderia voltar-se contra ele mesmo.
Canary termina dizendo que “Ainda não vencemos o fascismo, mas um pouco de justiça foi feito”. Alguém precisa avisá-lo que o fascismo está cada vez mais fortalecido em medidas como essa e que o próprio fascismo de Deltan Dallagnol só foi para frente enquanto ele fez parte desse sistema judiciário que é uma verdadeira aberração autoritária.