Risco de uso de armas biológicas aumenta em locais como Ucrânia e Sudão. Mas Brasil não está ileso e caso de infecção de soldados com vibrião colérico prova que o país precisa saber se defender de ataque biológico, diz analista militar.
O aumento da retórica agressiva dos EUA em relação a Rússia e China, o prolongamento do conflito ucraniano e eclosão do conflito no Sudão elevam o risco de uso de armas de destruição em massa.
De acordo com o próprio presidente dos EUA, Joe Biden, o conflito na Ucrânia aumentou o risco de uso de armas nucleares a níveis sem precedentes desde a Crise dos Mísseis de Cuba, em 1962.
“Pela primeira vez desde a Crise dos Mísseis de Cuba, temos uma ameaça direta ao uso de armas nucleares, se de fato as coisas continuarem no caminho que estão seguindo”, disse Biden em outubro de 2022. “Não enfrentamos a perspectiva do Armagedom desde Kennedy e a Crise dos Mísseis de Cuba.”
A percepção de risco do presidente dos EUA, no entanto, não é suficiente para que ele diminua a transferência de armas e recursos para o teatro de guerra. Pelo contrário, os EUA investem ativamente na manutenção e produção de novas armas de destruição em massa, inclusive químicas e biológicas.
O presidente dos EUA, Joe Biden, reage ao fazer um discurso no Windsor Bar em Dundalk, 12 de abril de 2023
Em abril de 2022, o Ministério da Defesa da Rússia publicou um relatório que expressa preocupação com programas biológicos dos EUA realizados em território ucraniano. Após a análise de mais de dois mil documentos sobre pesquisas militares dos Estados Unidos na Ucrânia, Moscou concluiu que o Departamento de Defesa e empresas ligadas ao Pentágono agiram em conluio com Kiev para desenvolver pesquisas de uso dual no território ucraniano.
“Com base nos resultados da análise da documentação e na entrevista de testemunhas, não temos dúvidas de que os EUA, sob o pretexto de garantir a biossegurança global, conduziram pesquisas de uso duplo, incluindo a criação de componentes de armas biológicas nas imediações das fronteiras russas”, disse o chefe das Tropas Russas de Defesa Radiológica, Química e Biológica, Igor Kirillov, durante sabatina na câmara baixa do parlamento russo.
Em dezembro de 2022, a Rússia solicitou ao Conselho de Segurança da ONU que investigasse o programa biológico dos EUA em solo ucraniano. No entanto, votos contrários de EUA, França e Reino Unido inviabilizaram a medida.
Especialistas em armas químicas e biológicas
Recentemente, os alarmes também soaram no território do Sudão, quando ataques contra um laboratório biológico impuseram “perigo extremo” à população local, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.
“Isso é extremamente, extremamente perigoso porque temos embriões de poliomielite isolados no laboratório. Temos embriões de cólera e sarampo isolados no laboratório”, disse o representante da OMS na capital sudanesa Cartum, Nima Saeed Abid.
Vulnerabilidade do Brasil
Desde 1975, a Convenção sobre Armas Biológicas proibiu o uso, desenvolvimento, produção, compra e transferência desses armamentos. No entanto, a convenção não possui nenhum mecanismo para assegurar que seus signatários cumpram o acordo.
“O Brasil é membro da convenção e contra a proliferação de qualquer tipo de armas de destruição em massa, inclusive as biológicas”, disse o analista militar Pedro Paulo Resende à Sputnik Brasil.
Segundo ele, o Brasil controla a exportação de quaisquer materiais que possam ser utilizados para a produção de armas de destruição em massa, sejam biológicas, nucleares ou químicas.
Efetivo das Forças Armadas do Brasil e membro do 1º Batalhão de Defesa Química, Biológica, Radiológica e Nuclear conversam durante demonstração, no Rio de Janeiro, 14 de abril de 2020
“Somos considerados um dos países que aplica com maior velocidade as determinações de agências internacionais que trabalham com ingredientes para armas de destruição em massa”, disse Resende.
Apesar da ameaça representada pelas armas biológicas, a pesquisa nesse ramo não pode ser completamente eliminada. Países como o Brasil precisam ser capazes de desenvolver planos de defesa contra eventuais ataques biológicos, apontou Resende.
Em 2012, um pelotão de fronteira brasileiro foi atingido por uma derivação do vibrião colérico, levando três soldados a óbito e acometendo gravemente outros seis. Apesar de um especialista brasileiro ter sido capaz de isolar o vibrião, o país não tinha laboratório capaz de analisá-lo com segurança.
“Precisamos enviar o vibrião para um centro de análise dos EUA, que fica em Atlanta”, relatou Resende. “Os norte-americanos receberam o vibrião, mas negaram acesso dos brasileiros às pesquisas e ao microrganismo.”
Especialista norte-americano trabalha com esporos de antraz. Foto de arquivo.
Segundo o especialista, a situação demandou a intervenção do Itamaraty para que os pesquisadores brasileiros pudessem acompanhar os trabalhos.
“Esse vibrião era adaptado somente para clima tropical, então o Pentágono poderia desenvolver uma arma para usar contra nós, com um vibrião descoberto no Brasil”, considerou o especialista.
Para ele, relatos como esse atestam a necessidade de o Brasil manter o seu repúdio às armas biológicas e se capacitar para defender o território nacional de eventuais ataques.
“Essa é uma das grandes deficiências do Brasil, não temos laboratórios de níveis elevados para pesquisa com elementos biológicos“, lamentou Resende.
Em dezembro de 2022, a Convenção de Armas Biológicas reuniu um novo grupo de trabalho para estudar métodos de verificação, o que atesta a vontade política de diversos países em fortalecer a instituição. O grupo de trabalho poderá discutir medidas eficientes, como a proibição de ataques a laboratórios biológicos, evitando situações como a ocorrida no Sudão.