Em 2019, Julian Assange foi detido pelas autoridades britânicas após sete anos refugiado na embaixada do Equador em Londres, onde se abrigava de um verdadeiro teatro judicial — que contou até com falsas acusações de estupro na Suécia. Seu maior temor era que tais acusações fajutas fossem utilizadas para deportá-lo aos EUA, o que de fato foi deferido pelo Estado britânico em julho de 2022.
Por que Assange?
Podemos traduzir as dezoito acusações do Estado norte-americano contra o jornalista em uma única frase: ele ousou expor os crimes do império. Para quem ainda não identificou o homem à sua obra, Assange foi o principal responsável pelo website Wikileaks, que por sua vez é o maior difusor de documentos confidenciais, em especial dos EUA, no mundo. Essa divulgação focava em atividades obscuras de diversos países, que muitas vezes eram inconstitucionais/ilegais em seus territórios e perante o direito internacional.
Um dos episódios mais emblemáticos, para os brasileiros, foi a denúncia, ainda em 2010, que já escancarava a espionagem e conspiração estadunidense contra a Petrobrás, a fim de garantir a presença de companhias estadunidenses no processo de exploração do pré-sal.
Lula no seio da besta
Diferente do que muitos “analistas” previram, o terceiro mandato do presidente Lula demonstra uma política externa deslocada do império. Suas posições são amplamente rechaçadas, especialmente no que concerne a guerra ucraniana e os BRICS. Em sua passagem pela Inglaterra, na coroação do novo rei da coroa britânica, Lula concedeu uma entrevista onde defendeu, abertamente, o jornalista Julian Assange e seu trabalho abnegado em divulgar os documentos que comprovem os crimes velados do imperialismo.
É uma vergonha que um jornalista que denunciou as falcatruas de um Estado contra os outros esteja preso, condenado a morrer na cadeia e nós não fazemos nada para libertarmos [sic].
Na mesma resposta, o presidente Lula denunciou os grandes monopólios da imprensa que tanto alardeiam sobre a liberdade de expressão, em especial a liberdade dos meios jornalísticos “oficiais” em se manifestar, mas não levantam um dedo para defender Assange.
É um negócio maluco que nós falamos de liberdade de expressão, direito de gritar, ou seja o cara “tá” preso porque denunciou as falcatruas e a imprensa não se mexe na defesa desse jornalista. Eu sinceramente não consigo entender. Não consigo entender. Eu até peço perdão, porque eu vou, quando chegar no Brasil vou ligar para o primeiro-ministro porque foi um assunto que esqueci de falar com ele. Eu já mandei Carta para o Assange, já publiquei carta, já escrevi artigo sobre o Assange, mas eu acho que é preciso um movimento da imprensa mundial na defesa dele. Não é na defesa dele enquanto pessoa, é na defesa, na liberdade de denunciar. O “cara” não denunciou nada vulgar. O “cara” denunciou que um Estado estava espionando os outros. Sabe? E isso virou crime contra o jornalista. E a imprensa que defende liberdade de imprensa não faz um movimento para libertar esse cidadão? É triste… é triste, mas é verdade… é verdade. É preciso colocar nossas teorias na prática de vez em quando para que possamos continuar falando em liberdade de expressão [sic].
Lula ainda se propôs, ao retornar ao Brasil, dialogar com o primeiro-ministro britânico para tratar de Assange, tendo em vista que não o fez quando conversou com ele. Demonstra, assim, seu verdadeiro espírito democrático, artigo em falta para muitos da esquerda brasileira que se engalfinham junto ao grupo Globo para colocar em prática um verdadeiro AI-5 digital que, ao fim e ao cabo, servirá para calar seus próprios apoiadores esquerdistas.
A luta das “democracias” vs “ditaduras”
O caso Assange escancara a mentirosa história imperialista de que o mundo é dividido entre “democracias” e “autocracias”, sendo o bloco imperialista, obviamente, uma democracia. E que, por tanto, as sanções econômicas, as intervenções militares, as conspirações para a mudança de regime e qualquer outro meio necessário para se derrotar as “autocracias”, são meios legítimos para a vitória da democracia.
O crime de Assange foi demonstrar que essas supostas “democracias” são movidas pelos interesses dos grandes monopólios privados — como na conspiração pelo pré-sal —, que os governos dos países imperialistas mandam e desmandam no globo, como um balcão de negócios da burguesia monopolista. E agora, com o jornalista preso, escancara-se que, além de não defender a democracia nos países de capitalismo atrasado, o imperialismo também não permite regimes democráticos dentro de suas próprias fronteiras.
Lula se afasta, cada dia mais, da linha defendida pelo imperialismo. Ter a coragem de defender Assange em solo britânico — onde este último aguarda extradição para os EUA — não é algo comum, especialmente para um presidente que já foi preso, teve sua sucessora golpeada e foi impedido de concorrer às eleições de 2018: tudo a mando do imperialismo.
A resposta do bloco imperialista virá em tempo. O novo governo já foi preparado para ser contido. Existem inúmeros mecanismos em posições estratégicas para assegurar a submissão brasileira: desde os infiltrados da “frente ampla” no governo; passando pelo judiciário golpista; pelo legislativo coalhado de políticos burgueses de todas as cores e sabores; um exército lesa-pátria; a imprensa dominada pelos capitalistas; um PT confuso e mais.
Como já apontamos em matérias anteriores, o único bloco em que Lula pode se sustentar é o das classes populares, em especial a classe trabalhadora. Mas para que isso ocorra, é necessário tirá-la da “reserva” e colocá-la no campo da luta política.