omo bem explicou o companheiro Vasco em sua coluna, a imprensa burguesa não se assume como porta-voz da sua classe. Antes, esconde-se sob o manto de uma suposta imparcialidade, que costuma ser brandida como projeto editorial democrático e pluralista. Bem se vê que tal engodo oculta o que, posto às claras, seria indefensável: como dizer, alto e bom som, que o povo tem de se contentar em viver na miséria para que os ricos não percam um centavo da sua riqueza?
Uma alternativa a essa imprensa, que ganhou força sobretudo na esteira do golpe de 2016, foram os canais progressistas do YouTube. Neles, abriu-se espaço para as vozes que o pseudopluralismo da imprensa burguesa sempre marginalizou. Fizeram a crítica dos grandes jornais e da Rede Globo, os quais, juntos, foram artífices do golpe e incansáveis promotores da propaganda antipetista.
Ocorre, porém, que a ascensão de Bolsonaro embaralhou as cartas até mesmo nesses espaços. Os jornais burgueses, como Estadão, Folha e O Globo, apresentam-se como veículos de oposição a Bolsonaro e se dizem defensores da “democracia”, entendida, ao que tudo indica, como o direito de votar (na urna eletrônica, sem impressão do voto) de tempos em tempos. Os veículos progressistas identificam-se com essa pauta e, na maior parte das vezes, fazem isso acriticamente. Bolsonaro é a ameaça às eleições ou, dito de outro modo, uma “ameaça à democracia”, embora tenha sido eleito pelo sistema vigente. Ele – e apenas ele – é o inimigo a ser combatido.
Disso decorre que tanto a esquerda pequeno-burguesa, bem representada nesses canais independentes, como a burguesia propriamente dita parecem ter a mesma pauta, que inclui o surto identitarista que tomou conta da grande imprensa, dos empresários, dos banqueiros e até da CIA. É possível que a esquerda tenha os mesmos interesses que a direita? Ou será que a grande imprensa, os empresários, os banqueiros e até a CIA agora são de esquerda?
Os veículos da pequena burguesia correm o risco de espelharem os da burguesia propriamente dita, embora não por desejo de iludir o povo, mas por se deixar enganar pelo modelo dos projetos “pluralistas” e pseudodemocráticos que orientam os jornalões e a Rede Globo. Esta última tem até merecido o elogio de alguns comentaristas dessa esquerda bem-comportada, que comemoram a presença de um elemento do grupo de juristas Prerrô no Jornal Nacional.
Como deveria ser óbvio, a Globo não está tornando seu jornalismo mais democrático por dar voz a personagens que costumam estar na programação de esquerda da internet. Está, isto sim, usando essas pessoas para seus próprios interesses – no momento, traduzidos no desejo de enfraquecer o Bolsonaro. Ou alguém acha que a Globo quer ver a volta do Lula? Os jornalões da burguesia, todos os dias, alfinetam o Lula. Daqui para a frente, a coisa só vai piorar.
Se não sinalizarem com clareza de que lado estão, os canais alternativos da esquerda se arriscam a colaborar, ainda que indiretamente, para a eleição de um BolsoDoria ou de um Bolsogay. A esquerda não precisa das migalhas da Rede Globo e da burguesia.
Artigo publicado, originalmente, em 16 de agosto de 2021