No terceiro mandato de Lula, diferentemente do que aconteceu nos demais governos petistas, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tem tido um papel de destaque no cenário político nacional. De um lado, o movimento aparece de uma forma mais ativa, pressionando o governo à esquerda e até influenciando em seus rumos; de outro, tem sido visto como um dos principais alvos da direita nacional.
No início do governo, Lula não chegou a fazer um aceno importante ao MST como fez, por exemplo, aos sindicatos, ao nomear Luiz Marinho, ex-presidente da CUT, como ministro do Trabalho. Pelo contrário: em uma tentativa de evitar bater de frente publicamente com setores da frente ampla, Lula indicou para o ministério da Agricultura Carlos Fávaro, um homem de extrema-direita, defensor dos latifundiários. Com o tempo, no entanto, a situação foi mudando.
Um acontecimento decisivo para isso foi a ocupação das fazendas da Suzano, no interior da Bahia. Com o objetivo explícito de pressionar o governo a adotar medidas efetivas em prol dos trabalhadores do campo, o evento inaugurou uma sequência de ataques contra o movimento e, ao mesmo tempo, uma série de acenos positivos por parte do governo, demonstrando que o terceiro mandato de Lula, conquistado em meio a uma luta política intensa, é muito mais suscetível à mobilização popular que os governos anteriores.
Entre os acenos, está a troca de chefias no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 19 estados, além do Distrito Federal. Essa era uma das demandas urgentes do movimento de luta no campo, pois a manutenção de bolsonaristas nesses cargos significava o bloqueio total para qualquer avanço na distribuição de terra. No lugar dos bolsonaristas, foram colocados nas chefias estaduais do Incra assentados pelo MST, advogados, sindicalistas e servidores de carreira do órgão, por exemplo. Essa situação, contudo, ainda persiste nos estados de Amazonas, Rondônia, Roraima, Amapá, Tocantins, Alagoas e Minas Gerais e precisa ser revertida imediatamente.
Também já circula a informação de que, no mês de maio, seja lançado um programa de reforma agrária, cujas diretrizes ainda não são conhecidas.
A própria imprensa golpista entendeu bem a relação entre as ocupações e a recente resposta do governo. A Folha de S. Paulo, por exemplo, publicou uma matéria chamada “Governo Lula cede a pressão das invasões e coloca aliados do MST em postos-chave”. Apesar de tentar pintar um quadro onde o governo apareceria como “fraco” ao ceder diante de um movimento “ilegal”, o jornal deixa escapar que a luta travada pelos camponeses nesses primeiros meses de 2023 foi fundamental para que o governo colocasse seu programa político para o campo em andamento.
Além da malícia da imprensa golpista, a direita já se mexe para pressionar o movimento de todas as formas possíveis. Um dos ataques mais graves ao movimento é a CPI do MST, que já recebeu a quantidade de assinaturas necessária para ser instaurada, e agora depende apenas do presidente da Câmara para que seja aberta.
O editorial do Estado de S. Paulo intitulado “Invasões premiadas” deixa claro o objetivo da CPI: demonstrar que o MST seria um movimento criminoso, dando melhores condições para os latifundiários perseguirem o movimento, e, ao mesmo tempo, chantagear o presidente sob a acusação de se associar a “bandidos”: “a deferência que o presidente Lula da Silva prestou ao notório chefão do grupo, o sr. João Pedro Stédile, ao integrá-lo à comitiva da viagem oficial à China, não sinalizou outra coisa senão um endosso explícito do governo aos seus métodos truculentos, seja por afinidade ideológica, seja por esqualidez moral”. O texto ainda põe em destaque que a burguesia teme que o que as iniciativas do MST, que no momento são apenas algumas ocupações pelo País, se generalize em uma verdadeira mobilização de toda a base lulista em torno de suas reivindicações: “Ao ser tão condescendente com essa escalada de esbulhos promovidos pelo MST, o governo, ao fim e ao cabo, premiou as invasões e aumentou significativamente o custo político para impedi-las no futuro. Com tanta facilidade para violar a lei, o que haveria de parar seus militantes?”.
Em o outro artigo do mesmo jornal golpista, o objetivo de usar a CPI para sabotar o governo aparece explicitamente. O texto, de título “Bancada ruralista põe invasões do MST na mira e ameaça Lula com segunda CPI”, apresenta a comissão de inquérito como a “segunda” contra o governo, sendo a primeira a CPI do dia 8 de janeiro, que é claramente uma investida da direita contra o governo. Diz o texto: “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode enfrentar uma segunda CPI no Congresso que contraria seus interesses. Depois de mudar de posição e passar a defender a criação de uma comissão parlamentar de inquérito para apurar os atos golpistas de 8 de janeiro – ainda pendente de instalação –, o governo terá de lidar agora com a pressão da bancada ruralista para a abertura da CPI do Movimento dos Sem Terra (MST)”. Ao Estadão, o Coronel Zucco (Republicanos-RS), autor do requerimento da CPI, afirmou que “um dos atores a serem escutados (na CPI) é o próprio governo” e que “a gente vai procurar saber qual é o motivo e qual é a estratégia para tanta invasão, tanto crime e essa omissão e possível conivência”.
As provocações que partem dos representantes dos latifundiários, inimigos do povo trabalhador, que promovem verdadeiras chacinas no campo, bem como do conjunto da direita nacional, que está procurando sabotar o governo porque este se nega a se ajoelhar perante o imperialismo e o tal “mercado”, deve ser combatida energicamente. É preciso destacar que, durante esses meses em que a direita vem atacando o MST na imprensa e com a ameaça de uma CPI, duas lideranças de destaque na luta pela terra já foram presas: José Rainha, fundador e principal dirigente da FNL, e Magno Souza, liderança indígena de Dourados (MS) e candidato ao governo do estado pelo PCO em 2022. A direita também já chegou a pedir a prisão do coordenador do MST João Pedro Stédile, simplesmente porque anunciou que o movimento continuaria ocupando terras.
É preciso frear a ofensiva golpista e reacionária contra o MST a partir de uma grande mobilização, que seja capaz de colocar a direita na defensiva. Neste sentido, é preciso unificar todos os movimentos do campo – LCP, FNL, MST, o movimento indígena e demais – em uma frente única, aliada aos trabalhadores do campo, para impor uma derrota aos latifundiários e inimigos do povo. A 3º Conferência Nacional dos Comitês de Luta, que ocorre nos dias 9, 10 e 11 de junho, em São Paulo, será um passo fundamental neste sentido.