Quem passeia pelas ruas de Dourados, a 200 km de Campo Grande, vê os índios brasileiros como eles realmente são. Vestidos com bermuda velha, camisa pirata de futebol, chinelo de dedo. Seu principal meio de transporte é a bicicleta. Alguns andam de charrete e parecem camponeses, de camisa xadrez e chapéu de palha. Um ou outro dirige um carro bem usado.
São ao menos 20 mil indígenas em Dourados. Esse número pertence ao último censo completo publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010. De lá para cá, a população indígena aumentou. Eles representam cerca de 10% da população total da cidade, a segunda maior do estado do Mato Grosso do Sul. No entanto, vivem em apenas 0,1% do território do município.
Quando se entra no único shopping center de Dourados, os índios desaparecem. O restaurante, que estava cheio na hora do almoço, viu entrar e sair mais de 200 pessoas. Nenhuma delas era indígena. Nem mesmo os funcionários. Os índios trabalham nos piores empregos: coleta de lixo, obras nas estradas e no corte de cana-de-açúcar.
No supermercado do shopping, havia uma funcionária do caixa da etnia guarani. Disse que, além dela, um índio trabalha na peixaria do supermercado. Uma pessoa comum no Brasil sonha em ser engenheiro, advogado, médico. Para os índios de Dourados, que vivem em aldeias e retomadas, o sonho é que seus filhos, quando crescidos e em idade de trabalhar, sejam caixas de supermercado. É o melhor emprego que podem conseguir.
As suas casas se encontram na periferia de Dourados. Perdão, não se pode chamar de casas o local onde essas famílias vivem. São barracos. Piores que favelas, muito piores. Renato Farac, militante do Partido da Causa Operária (PCO) que trabalha há anos com os movimentos do campo e já visitou terras indígenas nos quatro cantos do País, acredita que em nenhum lugar do Brasil existe uma segregação tão grande como em Dourados. “Eles vivem em verdadeiros guetos”, diz ele, que se encontra na cidade ajudando a organizar o Comitê de Luta das Retomadas junto aos guaranis e caiouás.
Fazendo um tour de dez minutos de carro pela verdadeira roça onde estão estabelecidos os seus barracos e casebres é possível contar ao menos cinco igrejas evangélicas. Assim como na periferia das grandes cidades, aqui elas também tomaram conta do trabalho de propaganda ideológica. Nenhuma das centenas de organizações políticas e sociais que gostam de dizer que defendem os índios está por aqui. As Organizações Não-Governamentais (ONGs) e partidos políticos não se interessam pelos segregados do Gueto de Dourados. O PCO será o primeiro partido político a abrir uma sede neste lugar, a Retomada Iwu Vera, próxima à Aldeia Jaguapiru.
Aqui muitos índios sobrevivem por meio de doações e alguma assistência governamental. Praticamente todos não têm o que vestir a não ser roupas rasgadas. Os cães, que infestam os quintais, são magricelas e sujos de terra vermelha.
Foram os índios da Iwu Vera que realizaram, na madrugada do dia 6 de abril, uma nova retomada, em um terreno de 50 hectares, batizado agora de Nova Iwu Vera. Responderam à quebra do acordo realizado com os proprietários do terreno, que era o de manter uma negociação pacífica na justiça entre aqueles que reivindicam o terreno como tradicionalmente seu (os índios guarani e caiouá) e aqueles que se apossaram dele. O antigo proprietário vendeu o terreno para a Corpal Incorporadora e Construtora, que iniciou a construção de um condomínio de luxo no terreno em disputa. Esse foi o motivo da retomada.
Cerca de 20 índios da Iwu Vera realizaram a ocupação. Começaram a construir alguns barracos. Porém, quando metade deles saiu momentaneamente, na manhã do dia 8, policiais militares apareceram na nova retomada e levaram presos os índios que ali estavam.
(Continua na edição de amanhã)