Muitos são aqueles que prognosticam uma Guerra Mundial. Efectivamente alguns grupos preparam-se para isso. Mas os Estados são razoáveis e, na prática, pensam talvez mais numa separação amigável, numa divisão do mundo em duas partes diferentes, um unipolar e o outro multipolar. Na realidade, iremos talvez assistir a um terceiro cenário : o « Império americano » não cai na armadilha de Tucídides, mas colapsa tal como o seu antigo rival soviético morreu.
Os «straussianos» norte-americanos, os «nacionalistas integralistas» ucranianos, os «sionistas revisionistas» israelitas (israelenses-br) e os «militaristas» japoneses aspiram, com toda a alma, por uma guerra generalizada. Eles estão completamente isolados e isso está fora de qualquer movimentação em massa. De momento, nenhum Estado se lança por esta via.
A Alemanha com 100 mil milhões (bilhões-br) de euros e a Polónia com muito menos dinheiro rearmam-se de forma maciça. Mas nenhum dos dois parece ansioso em se medir com a Rússia.
Também a Austrália e o Japão investem no armamento, mas nenhum deles possui um Exército autónomo.
Os Estados Unidos já não são conseguem renovar o número de efectivos das suas Forças Armadas e não são capazes de criar armas novas. Eles contentam-se em reproduzir em cadeia as dos anos 80. No entanto, vão mantendo as armas nucleares.
A Rússia já modernizou as suas Forças Armadas e organiza-se para renovar as munições que utiliza na Ucrânia e produzir em série as suas novas armas, com as quais ninguém pode competir. A China, essa, está a rearmar-se para controlar o Extremo Oriente e, a termo, para proteger as suas rotas comerciais. A Índia imagina-se como potência marítima.
Não se vê, pois, quem simultaneamente deseje e possa desencadear uma Guerra Mundial.
Contrariamente à sua retórica, os dirigentes franceses não se preparam, de forma alguma, para uma guerra de alta intensidade [1]. A lei de programação militar, feita para dez anos, prevê construir um porta-aviões nuclear, mas reduz as Forças Terrestres. Trata-se assim de se dotar de meios de projecção, mas não de defender o território. Paris continua a raciocinar como potência colonial enquanto o mundo se torna multipolar. É um clássico: os generais preparam-se para de acordo com a guerra precedente e ignoram a realidade do amanhã.
A União Europeia põe em prática a sua « Bússola Estratégica ». A Comissão coordena os investimentos militares dos seus Estados-Membros. Na prática, todos seguem o “jogo”, mas perseguem objectivos diferentes. A Comissão, por sua vez, tenta assumir o controle das decisões sobre o financiamento dos exércitos que até aqui dependiam dos parlamentos nacionais. Isto permitiria edificar um Império, mas não declarar uma guerra generalizada.
É claro que todos jogam uma cartada, mas para além da Rússia e da China, ninguém se está preparando para uma guerra de alta intensidade. Realmente, assistimos mais a uma redistribuição das cartas. Este mês, Washington envia à Europa Liz Rosenberg e Brian Nelson, dois especialistas em medidas coercivas unilaterais [2], tendo por missão obrigar os Aliados a obedecer. Segundo a bem conhecida fórmula do antigo Presidente George Bush Jr. durante a guerra « contra o terrorismo »: « Quem não está connosco está contra nós! ».
Liz Rosenberg não tem escrúpulos e é eficiente. Foi ela quem pôs a economia síria de joelhos, condenando milhões de pessoas à miséria porque ousaram resistir e derrotar os mercenários do Império.
O discurso de western hollywoodesco à la George Bush Jr, o dos bons e dos maus, falhou com a Turquia, que experimentou já a tentativa de Golpe de Estado de 2016 e o tremor de terra de 2023. Ancara sabe que nada de bom deve esperar de Washington e vira-se já para a Organização de Cooperação de Xangai No entanto, o mesmo discurso deverá ser bem sucedido com os Europeus que permanecem fascinados pelo poderio dos Estados Unidos. É claro, este poderio está em declínio, mas os Europeus também. Ninguém, pois, tirou lições da sabotagem do gasoduto russo-germano-franco-neerlandês, North Stream. Não somente as vítimas aguentaram o golpe sem nada dizer, como elas ainda se aprestam a receber outras punições por crimes que não cometeram.
O mundo deverá, pois, dividir-se em dois blocos, de um lado a hiperpotência norte-americana e seus vassalos, do outro o mundo multipolar. Em número de Estados, isso deverá ser meio por meio, mas em termos de população, somente 13% para o bloco ocidental contra 87% para o mundo multipolar.
As instituições internacionais já não conseguem funcionar. Ou elas cairão em letargia, ou irão ser dissolvidas. Os primeiros exemplos que vêm à mente são a efectiva saída da Rússia do Conselho da Europa e as cadeiras vazias dos Europeus Ocidentais no Conselho do Ártico durante o ano da presidência russa. Outras instituições já não têm muita razão de existir, como a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), que era suposta organizar o diálogo Leste-Oeste. Só a ligação da Rússia e da China às Nações Unidas a deverá preservar a curto prazo, com os Estados Unidos procurando já transformar a Organização numa estrutura reservada exclusivamente às Nações Aliadas.
O bloco ocidental deverá também reorganizar-se. Até aqui o continente europeu estava dominado economicamente pela Alemanha. Para ter certeza que a Alemanha jamais se aproximará da Rússia, os Estados Unidos desejam que Berlim se contente com a parte Oeste do continente e deixe o Centro nas mãos de Varsóvia. A Alemanha e a Polónia armam-se, pois, para se impor nas suas áreas de influência respectivas, mas quando a estrela norte-americana empalidecer, elas irão bater-se uma contra a outra.
Durante a sua queda, o Império Soviético abandonou os aliados e vassalos. Tendo constatado a sua incapacidade para resolver os problemas, a URSS primeiro parou de apoiar economicamente Cuba, depois deixou cair os seus vassalos do Pacto de Varsóvia e por fim afundou-se sobre si própria. O mesmo processo começa hoje com os Ocidentais.
A primeira Guerra dos EUA no Golfo, os atentados do 11-de-Setembro e sua miríade de guerras no Médio-Oriente Alargado, a extensão da OTAN e o conflito ucraniano apenas concederam mais três décadas de sobrevida ao Império Americano. Ele mimetizava o seu antigo rival soviético. Perdeu a razão de ser com a dissolução deste. Já é tempo que desapareça também.
Fonte: Voltairenet.org