Juca Simonard*
O ano é 1923, quando é fundado o Grêmio Recreativo Escola de Samba (G.R.E.S) Portela. O Rio de Janeiro ainda não havia tido seu primeiro desfile “oficial” de Carnaval, realizado pela primeira vez em 1932. Enquanto isso, o samba dava seus primeiros passos diante de mudanças importantes ocorridas na virada para o Século XX.
Os ranchos e as primeiras escolas de samba
O próprio Carnaval sofria alterações. No Brasil, ao final do Século XIX, o Carnaval torna-se um fenômeno de massas e os cordões carnavalescos populares, uma extrema “balbúrdia”, são reprimidos pelo Estado. Chega o pernambucano Hilário Jovino que leva a uma organização mais complexa dos ranchos carnavalescos na então capital do Brasil. Com isso, permitiu uma associação entre as classes populares e a elite intelectual e política do Rio de Janeiro, algo que seria fundamental para o desenvolvimento do próprio samba no país.
O pernambucano, fundador de diversos “blocos” (ainda não eram chamados desta maneira), seria mais tarde incorporado no rancho Ameno Resedá, a primeira das “escolas” de samba. Este rancho, fundado em 1908, mudou a concepção dos seus predecessores. Formado por trabalhadores, e organizado por meio de um trabalho militante para se manter financeiramente e aglomerar colaboradores, o Ameno Resedá estabeleceria as bases das primeiras escolas de samba.
Primeiro, ao contrário dos outros ranchos, exibiu temas complexos com a representação de alegorias. Segundo, com a participação do seu diretor de música, Sinhô, estabeleceu as bases para um novo gênero musical: o samba. Terceiro, para se manter, realizou campanhas financeiras, além de atividades sociais em sua sede no período além do Carnaval, garantido um trabalho permanente em torno da música ao longo do ano. Com isso, promoveu uma “revolução” no Rio de Janeiro que levaria ao surgimento das primeiras escolas de samba, sendo a primeira o G.R.E.S Portela.
Do Conjunto Oswaldo Cruz ao Vai Como Pode
A Portela surge em 11 de abril 1923, como um bloco carnavalesco, chamado Conjunto Oswaldo Cruz, no bairro homônimo, onde viviam os operários cariocas e por onde passava a linha férrea. Entre os fundadores do bloco estão grandes nomes do samba, como Paulo da Portela, Alcides “Malandro Histórico”, Heitor dos Prazeres, Antônio Caetano, Antônio Rufino, Manuel “Bam Bam Bam”, “seu Natal”, Candinho e Cláudio Manuel.
Em 1928, é fundada, no bairro de Estácio, a Deixa Falar, primeira agremiação carnavalesca a usar o termo “escola de samba”, pelo sambista Ismael Silva, que estabeleceu as bases do samba urbano moderno. Por isso, esta é considerada a primeira escola de samba. Por mais que a Portela tenha aparecido cinco anos antes, a agremiação ainda era um bloco carnavalesco.
Com base na organização da Deixa Falar, diversas agremiações carnavalescas se tornam escolas de samba, inclusive o Conjunto Oswaldo Cruz, que se chamaria ainda “Quem Nos Faz É O Capricho” e “Vai Como Pode”. Com este último nome, a agremiação se apresentou no primeiro desfile carnavalesco “oficial” em 1932, ano em que a Portela ficou em segundo lugar, atrás do G.R.E.S Estação Primeira de Mangueira.
O primeiro carnavalesco, uma inovação
Vai Como Pode conquista sua primeira vitória em 1935. No ano seguinte, com a recusa do delegado Dulcídio Gonçalves a renovar a licença da agremiação, por considerar o nome chulo e indigno de uma escola de samba, surge a Portela, em referência ao logradouro Estrada do Portela, onde os sambistas se reuniam.
No ano de seu primeiro título, a Portela traria uma importante inovação aos desfiles carnavalescos, por meio do fundador, Antônio Caetano, considerado o primeiro carnavalesco. “Inspirado nos espetáculos dos ranchos, Caetano traz para as escolas de samba a representação plástica dos temas. Com esse objetivo, usa sua ilimitada criatividade para desenhar fantasias e adereços, idealizando a primeira alegoria da história das escolas de samba”, diz artigo da plataforma Portela Web.
“Foram de sua criação os primeiros enredos que a Portela apresentou em desfiles, sempre procurando maneiras inovadoras de apresentá-los. Dentre elas merece destaque o rústico globo terrestre giratório no enredo ‘O samba dominando o mundo’, que consolidou o primeiro título da história da Portela, em 1935”.
“Caetano, enfim, foi o precursor do nosso moderno espetáculo. Foi a partir das primeiras criações do artista portelense que o carnaval se desenvolveu. Pelas mãos de Caetano, muitos materiais passaram a fazer parte do quotidiano de um barracão de escola de samba. Por tudo isso, é considerado o primeiro carnavalesco da história do carnaval brasileiro”.
Viva a Portela!
A escola conquistaria seu segundo título em 1939, precedendo uma série histórica na década de 1940. Entre 1941 e 1947, a Portela ganhou todos os desfiles, campeã consecutiva durante sete anos, recorde até hoje não superado. Desde então, nunca uma escola de samba conseguiu superar a agremiação em quantidades de campeonatos. A escola de samba ainda venceria cinco dos dez desfiles disputados na década seguinte, em 1951, 1953, 1957, 1958 e 1959; e teria uma boa fase na década subsequente, ganhando em 1960, 1962, 1964 e 1966.
No período em que os desfiles carnavalescos se tornaram um negócio milionário, na década de 1970, com imensos recursos, prêmios e audiência nas televisões, a Portela viveria uma fase ruim. Juntaria vitórias em 1970, 1980, 1984 e, depois de 33 anos sem ganhar, venceria em 2017. Mesmo assim, até hoje, é a maior campeã do carnaval carioca, com 22 títulos, dois a mais que o segundo colocado — a Estação Primeira de Mangueira.