Poucos dias após votar com China e Rússia a favor de que o ataque militar ao gasoduto Nord Stream seja investigado, o Brasil se posiciona novamente em oposição ao imperialismo dentro da Organização das Nações Unidas (ONU). Desta vez, em relação ao relatório que acusa a Síria de atacar a própria população com armas químicas na cidade de Duma em 2018. O embaixador João Genésio de Almeida Filho concordou com as denúncias apresentadas pelo jornalista Aaron Maté, do TheGrayZone, indicando que as investigações que apontavam para outra conclusão foram simplesmente abandonadas.
Na ocasião, o suposto ataque por parte do governo Sírio serviu de pretexto para que Estados Unidos, França e Reino Unido bombardeassem o país para derrubar o presidente Bashar al-Assad. Mesmo não conseguindo chegar a tempo ao local do suposto ataque, pois os bombardeios começaram antes disso, a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAQ) inicialmente questionou em relatório a ocorrência do ataque. No entanto, o relatório foi deixado de lado e a OPAQ passou a confirmar a versão apresentada pela máquina de propaganda dos Estados Unidos.
O embaixador brasileiro criticou duramente a atuação da OPAQ e protestou contra o impedimento do testemunho do ex-diplomada brasileiro José Bustani, primeiro Diretor Geral da OPAQ. Bustani respaldaria investigadores da OPAQ, que foram desacreditados e afastados em benefício da versão imperialista dos fatos. Em seguida, repercutiu as denúncias levadas à reunião pelo jornalista do GrayZone afirmando “você é claro, você é lógico e você veio aqui com dados”. O próprio jornalista relatou que os mais atentos à fala do brasileiro foram os representantes dos Estados Unidos e do Reino Unido, que não pareciam “felizes” com o posicionamento brasileiro.
Em vídeo publicado no canal do YouTube do GrayZone, Aaron Maté lembra que José Bustani já havia sido confrontado pelo imperialismo na preparação para a invasão do Iraque, no começo do século XXI. O diplomata foi entrevistado há alguns anos pelo jornalista e relatou ter sido ameaçado pessoalmente por John Bolton, então subsecretário de Estado para o Controle de Armas do governo George W. Bush. Segundo Bustani, que na época procurava incluir o Iraque na Convenção sobre Armas Químicas, o oficial norte-americano deu 24 horas para que ele renunciasse, ameaçando inclusive os filhos do diplomata. Após uma campanha de perseguição digna do imperialismo norte-americano, Bustani foi destituído, com a complacência do governo capacho de Fernando Henrique Cardoso.
É importante destacar o alto nível de independência da diplomacia brasileira neste episódio. Na mesma reunião, o representante do Reino Unido sugeriu ironicamente que o brasileiro lesse atentamente ao mais recente relatório da OPAQ, que confirmava o ataque e creditava a autoria ao governo Sírio. O embaixador brasileiro retrucou que, como havia dito anteriormente, o relatório foi analisado e que o mesmo lidava de maneira “pobre” com o assunto. Em seguida, aproveitou o “convite” para “olhar a verdade” e “trazê-la à tona” para provocar que isso o deixava otimista de que o Reino Unido poderia reconsiderar em trazer Bustani novamente para o Conselho de Segurança da ONU.
O imperialismo promove uma série de grosseiras encenações para justificar suas intervenções militares, como vimos recentemente na Ucrânia. Na Síria, foram muitas montagens e encenações expostas, mas o mais importante é esse ataque com armas químicas, pois foi justamente o estopim de uma tentativa fracassada de derrubar o governo nacionalista no país. O fato do Brasil respaldar uma acusação muito bem fundamentada em um órgão de tamanha importância deixa o imperialismo exposto na própria tribuna e durante uma crise da dominação imperialista no mundo.