A esquerda tem o estranho hábito de subestimar seus adversários. É o que vemos na matéria “Bolsonaro sabe que é o próximo da fila”, publicada no Brasil 247 e assinada por Moisés Mendes.
Não podemos, nem queremos, entrar na cabeça de Bolsonaro, mas, se ele se considera o próximo de alguma fila, será para a sucessão presidencial, não para a vaga em algum presídio, como sugere o título da matéria.
Segundo o artigo, “Bolsonaro foi eleito pelo imponderável em 2018 e tenta agora sobreviver até à maldição do cavalo dourado das arábias com três pernas quebradas”. Só podemos aceitar essa hipótese se passarmos a tratar um golpe de Estado como ‘imponderável’.
A eleição de Bolsonaro, ainda que este não fosse o candidato preferencial do imperialismo, que planejou o golpe contra Dilma, cumpriu o objetivo de afastar Lula das eleições em 2018.
A Operação Lava-jato, a prisão ilegal de Lula, o impedimento que concorresse sub judice, tudo isso não pode ser considerado como sendo o imponderável.
Entediado nos EUA?
O texto faz algumas considerações a respeito da situação de Bolsonaro: “precisa voltar ao Brasil para não morrer de tédio em Orlando”, “Ninguém com alguma relevância política o visitou nesse tempo todo”. “Voltar ao Brasil no dia 30 será o gesto pessoal de alguém em sofrimento, antes de ser parte de um plano com algum sentido político”.
Ninguém pode acreditar que Bolsonaro estivesse nos EUA sem fazer nada e sem que alguém com alguma relevância o tenha visitando. Os Estados Unidos são o país para o qual Moro e Dallagnol fizeram várias viagens durante a operação Lava-jato, provavelmente para receber instruções.
Para Moisés Mendes, o retorno de Bolsonaro é o ato de alguém que sofre, não que faça parte “de um plano com algum sentido político”. A primeira coisa que o articulista deveria se preocupar é com a data, às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964. A data foi pensada e tem sentido político.
Mendes também questiona a volta de Bolsonaro “em meio às incertezas sobre o que o espera depois da fuga com as joias”. A verdade é que nem a burguesia e nem o eleitorado bolsonarista dão a mínima para essa questão. Apenas a esquerda pequeno-burguesa que leva a sério que exista algum combate à corrupção que, por sinal, só tem servido para atacar a esquerda. Vide Mensalão, Lava-jato etc.
Cachorro morto?
Segundo Moisés Mendes “Não é pouca coisa o dilema de Bolsonaro. Se voltar e agir ostensivamente, mobilizando as bases imprecisas, as ações serão percebidas como afronta ao TSE, às vésperas da provável inelegibilidade”. De quais bases imprecisas estamos falando, da quase metade do eleitorado? E quem pode acreditar que aqueles que colocaram Lula na cadeia para eleger Bolsonaro estariam agora dispostos a torná-lo inelegível?
O texto afirma que Bolsonaro, “três meses depois da fuga, pode testar, na volta, a sua sobrevivência política. Mas sabe também que poderá fracassar até como puxador de comboio de motos”. E ignora que Lula venceu a eleição por muito pouco. Para sustentar a tese do possível fracasso o compara a Macri, na Argentina, e a Trump, nos EUA. O argentino vai mal nas pesquisas, com 6% a 8%, o que não quer dizer muita coisa.
O caso de Donald Trump é bem diferente. Não é verdade que este “esperneia, também tentando pôr à prova sua popularidade”. A popularidade de Trump só faz crescer. Quanto a ser “contido pela Justiça”, quem está esperneando são aqueles que o querem fora das eleições. Aliás, formou-se um impasse. Embora estivesse prestes a ser detido, parte da direita teme que uma prisão seja o mesmo que garantir sua reeleição. Posto Trump seria visto como vítima de perseguição.
O bolsonarismo não é uma pessoa
O erro da análise é restringir o bolsonarismo à figura do ex-presidente, quando se trata, na verdade, de um fenômeno social. As Forças Armadas e as polícias estão recheadas de bolsonaristas.
As forças políticas que deram o golpe em 2016 podem achar interessante levar Bolsonaro novamente ao poder, uma vez que, com sua subserviência, foi fácil controlá-lo.
O quadro político atual é mais acirrado que aquele que antecedeu o golpe de 2016, e um novo golpe não pode ser descartado. O 8 de janeiro deixou isso muito claro.
Subestimar as forças golpistas fez com que Dilma Rousseff fosse apeada da presidência sem maiores dificuldades. É preciso levar a sério a ameaça bolsonarista e, mais do que isso, é necessário mobilizar as massas trabalhadoras para inibir desde já a sanha golpista que, como pudemos ver, já mostrou os dentes.