A “Evolução da Medicina” foi por certo a ação menos importante de todas as razões para o aumento da longevidade no mundo. Longevidade está relacionada à saúde e a Medicina pouco ou quase nada se relaciona com sua produção, pois que se ocupa do combate às doenças. Como diria o velho pensador Ivan Illich, “Janelas e cuecas limpas fizeram mais pela saúde do que todos os medicamento criados pela razão humana”. Quem produz saúde numa sociedade são a engenharia, atividade física, comida de verdade, ar limpo, emprego pleno e paz social.
Vou dar um exemplo simples: qual é considerada a maior descoberta e contribuição médica do século XX?
Você vai errar se disser antibióticos, quimioterápicos, remédios oncológicos, cirurgias, ultrassom, etc. Se você levar em consideração o parâmetro “impacto” – quantas vidas salvas e quantas doenças curadas – a resposta é simples: a descoberta de que uma pitada de açúcar em uma solução salina aumenta a absorção de água pelo tubo digestivo. Traduzindo: soro de reidratação oral. Essa descoberta salvou milhões de crianças na África de quadros de diarreia aguda causada pela água contaminada ou pelo enantema do sarampo. O impacto foi gigantesco para populações inteiras e vidas foram poupadas. Entretanto, quando se examina a origem desse tratamento, resta a pergunta: qual a razão para usarmos este recurso “mágico”?
Ora, é simples: falta de interesse político levando à carência de recursos para a infraestrutura básica da sociedade, falta de engenheiros para obras públicas, falta de tubulações para carregar água limpa, ausência de tratamento de esgoto e todas as tragédias decorrentes do desmame precoce, que obriga mães a darem fórmula láctea misturada com água suja nas comunidades onde inexiste tratamento de águas. Fosse conduzida de forma humanizada – centrada na pessoa – a saúde seria garantida e não haveria razão para tratar tantas doenças (como a diarreia mortal) derivadas da miséria, do descaso e da fome. Ao invés disso investimos em guerras, no luxo concentrado em poucos capitalistas, na medicina terciária curativa (ao invés de prevenir) encarecendo os tratamentos e não investindo na manutenção da saúde.
Quais as doenças que mais mortais que atacam as populações no ocidente? Quais os problemas de saúde mais marcante do mundo desenvolvido? Se olharmos para os dados de mortalidade veremos que o câncer, infarto do miocárdio e diabete mélito estão entre os principais fatores de mortalidade. O primeiro está ligado às toxinas no ar, água e alimentos, já que há décadas sabemos da capacidade carcinogênica dos poluentes e dos conservantes usados na agricultura extensiva e nos alimentos, além das exposições profissionais. Já o infarto agudo do miocárdio está claramente ligado ao aumento de peso, à obesidade, ao sedentarismo que levam à aterosclerose e o entupimento de artérias por placas de gordura. Já o diabete se conecta com a comida industrializada e altamente calórica, base da alimentação dos países satélites dos Estados Unidos que consomem altas doses de açúcar, carboidratos, gorduras e conservantes.
Fica claro entender que mais saúde seria produzida com ar e água de qualidade, comida saudável e exercícios físicos do que os milhões gastos em remédios e cirurgias, porque estas ações seriam preventivas e evitariam que as doenças tivessem progressão. Mais ainda se tivéssemos um ambiente de paz, pleno emprego, equidade e justiça social, diminuindo de forma considerável os níveis de stress. Muito mais saúde se produz investindo em mudança no estilo de vida do que investindo na cura química ou cirúrgica de doenças. Muito mais efeito traria para os trabalhadores de todo o mundo a abolição da sociedade de classes do que todos os avanços tecnológicos do mundo – apesar de que uma sociedade equilibrada pode ter os dois. É disso que se trata a medicina para o século XXI: menos drogas, menos intervenções, mais prevenção de doenças, e a melhoria das condições de saúde serão o impacto que estas transformações produzirão em nível global.
E isso não significa desmerecer os avanços da medicina, apenas situar sua posição na responsabilidade pelo aumento da longevidade. A saúde é produzida muito mais por questões sociais e políticas do que pela criação de novos medicamentos e novas estratégias terapêuticas.