No ano de 1921, em uma das etapas mais difíceis da Revolução Russa, um grupo de anarquistas, mencheviques, camponeses e pequeno-burgueses, iniciavam uma revolta em Kronstadt: uma cidade russa na ilha de Kotlin no golfo da Finlândia. Este acontecimento foi amplamente utilizado pelos filisteus moralistas para difamar o líder revolucionário Trótski e apontar os “crimes hediondos” da revolução, os mais exaltados chegaram a comparar o bolchevismo com a burocracia stalinista, ideia absurda que não resiste a uma pequena análise.
O acontecimento se iniciou durante a Guerra Civil, que já tinha começado há três anos. O país se encontrava em uma situação de penúria econômica, e os bolcheviques estavam colocando em prática o “comunismo de guerra”, ou seja, todas as forças produtivas deveriam estar submetidas a combater os inimigos da Revolução, esta foi a política que antecedeu a Nova Política Econômica (NEP). Como consequência, os marinheiros anarquistas estavam insatisfeitos com as medidas adotadas no decorrer da ditadura estabelecida pela situação vigente, reivindicavam medidas democráticas em plena guerra civil, uma utopia considerando o estado de exceção. No dia 1º de março iniciaram um violento motim, atiraram em soldados do Exército Vermelho etc. Em retaliação, o governo revolucionário bombardeou o local durante 17 dias até esmagar completamente a insurreição no dia 18 de março. A respeito do caráter reacionário do motim, Trótski afirma:
“Somente uma pessoa totalmente superficial pode ver nos bandos de Makhno (um dos líderes da revolta) ou na revolta de Kronstadt uma luta entre os princípios abstratos do anarquismo e o “socialismo de Estado”. Na verdade, esses movimentos eram convulsões da pequena burguesia camponesa que desejava, é claro, libertar-se do capital, mas que, ao mesmo tempo, não consentia em se subordinar à ditadura do proletariado. A pequena burguesia não sabe concretamente o que quer, e em virtude de sua posição, não pode saber. Por isso, cobriu tão prontamente a confusão de suas reivindicações e esperanças, ora com a bandeira anarquista, ora com a populista, ora simplesmente com a do “Verde”. Opondo-se ao proletariado, tentou, hasteando todas essas bandeiras, virar a roda da revolução para trás.”
Em respeito às críticas moralistas anos mais tarde a respeito dos “excessos” de violência, Trótski escreve:
“Estou pronto para reconhecer que a guerra civil não é uma escola de humanismo. Idealistas e pacifistas sempre acusaram a revolução de “excessos”. Mas o ponto principal é que os “excessos” fluem da própria natureza da revolução, que em si é apenas um “excesso” da história. Com base nisso, quem assim desejar, pode rejeitar a revolução de modo geral. Eu não a rejeito. Nesse sentido, eu carrego total e completa responsabilidade pela supressão da rebelião de Kronstadt.”
Bolchevismo/Stalinismo?
Uma das calúnias envolvendo Trótski foi compará-lo a Stalin. Supostamente, a ditadura do proletariado e a repressão contrarrevolucionária da burocracia soviética seria equivalente, expressão do desconhecimento do marxismo. Os anarquistas representavam uma ameaça à revolução, à ação repressiva do Estado, foi para conter uma insurreição contrarrevolucionária e levar adiante a luta dos oprimidos que Trótski reprimiu a rebelião de Kronstadt.
Já as ações inescrupulosas de Stalin surgiram como um fenômeno análogo ao “Termidor” na Revolução Francesa, ou seja, um setor reacionário que se consolida como burocracia, exercendo privilégios e contendo o desenvolvimento da revolução, uma verdadeira traição aos interesses das massas operárias. A ditadura do proletariado é um fenômeno marxista, uma lei da história, condição essencial para manter um regime socialista e todos que rejeitam essa transição, são, na verdade, contrários ao pensamento de Marx, como afirma Trotsky:
“Em essência, os veneráveis críticos são oponentes da ditadura do proletariado e, portanto, são oponentes da revolução. Nisso reside todo o segredo. É verdade que alguns deles reconhecem a revolução e a ditadura – em palavras. Mas isso não ajuda em nada. Eles desejam uma revolução que não leve à ditadura ou uma ditadura que se desenvolva sem o uso da força. Claro, esta seria uma ditadura muito “agradável”. Requer, no entanto, algumas ninharias: um desenvolvimento igual e, além disso, extremamente elevado, das massas trabalhadoras. Mas em tais condições a ditadura seria em geral desnecessária. Alguns anarquistas, que são realmente pedagogos liberais, esperam que em cem ou mil anos os trabalhadores tenham atingido um nível de desenvolvimento tão alto que a coerção se revelará desnecessária. Naturalmente, se o capitalismo pudesse levar a tal desenvolvimento, não haveria razão para derrubar o capitalismo. Não haveria necessidade nem de revolução violenta nem de ditadura, que é uma consequência inevitável da vitória revolucionária. No entanto, o capitalismo decadente de nossos dias deixa pouco espaço para ilusões humanitário-pacifistas. “