Em sua coluna publicada no jornal O Estado de S.Paulo, Eliane Cantanhêde defendeu que Lula precisaria tornar-se uma espécie de “novo Mandela” para governar o País. A declaração que tenta se apresentar como supostamente esquerdista, na realidade, é a mais pura defesa do abandono das reivindicações populares em nome de uma profunda conciliação de classes.
No início de seu texto, a articulista cita uma das principais partes do discurso de Nelson Mandela, ao assumir a ´presidência da África do Sul, em 10 de maio de 1994. “Chegou o tempo de curar as feridas. Chegou o tempo de preencher as lacunas que nos separam. Chegou o tempo de construir”, declarou a liderança africana após passar 27 anos preso por questões políticas e por uma brutal ditadura contra a maioria da população, os negros.
A declaração em si já é reacionária. No entanto, precisamos relembrar em quais condições foi dita, o que demonstra ser ainda pior do que à primeira vista. Nelson Mandela saiu da prisão direto para a presidência. O fato se deu por meio de um acordo com a burguesia e o imperialismo. Após anos de brutal ditadura, o Regime de Apartheid, como ficou conhecido o regime que vigorou de 1948 a 1994, promovia uma brutal repressão do povo negro.
Na África do Sul, a expressiva maioria da população sempre foi negra; no entanto, as altas camadas da burguesia, ligadas ainda ao período de colonização, são brancas e profundamente racistas. O Apartheid promoveu uma dura repressão contra o povo negro, o que gerou a revolta de toda a população. No fim dos anos 80 a população negra sul africana queria acabar com a vida de toda esta burguesia, tamanho o nível de revolta. Após décadas de ditadura, um movimento de características revolucionárias tomou conta do país e Nelson Mandela foi trazido de volta pela burguesia para impedir a revolta da população negra e oprimida.
Mandela saiu da prisão e colocou “panos quentes” na situação. Controlou a revolta popular, frustrou a revolução e manteve todo o controle da burguesia branca africana sobre os trabalhadores. Na prática, sua posição profundamente contrarrevolucionária é traidora, serviu para manter a opressão até os dias atuais. O Apartheid acabou apenas no papel, a opressão continua.
Com estes problemas levantados, fica claro o que Cantanhêde quer dizer ao afirmar que “o Lulinha paz e amor faz falta”.
Lula iniciou seu terceiro governo muito mais à esquerda e muito mais combativo do que o esperado. O petista está confrontando os interesses da burguesia e do imperialismo e pede também a mobilização dos trabalhadores e defesa de suas reivindicações. Toda sua política vai na contramão do que foi feito quando eleito em 2002, e ainda mais se comparado a Nelson Mandela.
Ao contrário do que fala Cantanhêde, hoje, Lula não possuí qualquer ligação com a figura de Nelson Mandela e já está bem claro que o próprio não tem como intenção “pôr panos quentes” na situação. A política de Lula serve para impulsionar a mobilização, não o contrário; serve para fazer avançar a luta dos trabalhadores e não impor um retrocesso. O “Lula paz e amor” não existe mais. O Lula de hoje não quer uma mera política burocrática, quer avançar o desenvolvimento da economia nacional e as lutas dos trabalhadores. Este é o Lula que o povo brasileira precisa.
No entanto, a classe trabalhadora não pode se iludir. Embora não seja um Mandela, Lula também tem seu lado conciliador, como ficou demonstrado nos seus primeiros mandatos. Por isso temos que formar uma ampla base popular que pressione o governo à esquerda. Reformas sociais profundas virão apenas se os trabalhadores saírem às ruas para exigi-las. A burguesia, de quem Cantanhêde é uma porta-voz, fará o possível para manter o povo na miséria.
A reposta popular já começa a ser dada. Em abril, nos dias 21, 22 e 23, em São Paulo, será realizada a III Conferência Nacional dos Comitês de Luta. Esse será o início de um amplo movimento que devolverá à classe trabalhadora o seu real protagonismo na política brasileira.