A questão dos militares na política nacional, principalmente no que tange à ameaça golpista contra o governo Lula, se alçou aos holofotes da esquerda após os atos bolsonaristas do dia 8 de janeiro. Apesar de a grande maioria da esquerda errar na análise do ocorrido, taxando o episódio como ‘um golpe derrotado’ e não como expressão de um processo golpista, ao menos agora se discute esse problema crucial que são as Forças Armadas.
O Esquerda Online publicou uma tese no seu sítio o artigo “O Lugar dos Militares”. Nele a organização de Valério Arcary comete um dos erros mais comuns da esquerda: aponta políticas de governo para Lula tentar resolver a questão militar. No entanto, ignora que apenas com uma gigantesca mobilização popular é possível afetar essa instituição golpista.
O texto começa explicando a relação dos militares com os golpes de 2016 e 2018, a prisão ilegal de Lula. Depois, busca fazer um apanhado geral da participação dos militares na história do Brasil, passando pela Proclamação da República, todo o século XX e a eleição de Bolsonaro. E conclui a primeira parte dizendo: “Assim, coloca-se não apenas a tarefa de “desbolsonarizar” as forças armadas (o que seria mirar mais numa consequência do que na causa), mas principalmente a de desmilitarizar o Estado brasileiro e pôr fim à politização “intervencionista” das cúpulas militares. Para o governo Lula, esta é uma questão de sobrevivência.”
De fato, a “desbolsonarização” não é o suficiente, seria necessária uma reforma geral nas Forças Armadas. Contudo, o texto não deixa claro o que deve ser feito. Aqui, é valido pegar os exemplos positivos que existem na América Latina, continente assolado por ditadura militares apoiadas pelos EUA, há três países em que a questão militar está resolvida, Cuba, Nicarágua e Venezuela. Coincidentemente, os países mais atacados pela sanha golpista do imperialismo e que seguem resistindo. Em Cuba o quadro é claro, a Revolução de 1959, correndo o risco de ser repetitivo, revolucionou as forças armadas. Na Nicarágua o fenômeno foi semelhante com a Revolução Sandinista.
O caso da Venezuela, por sua vez, é mais interessante. Em 2002, um golpe de Estado tentou derrubar o presidente Hugo Chávez, mas foi derrotado pela mobilização popular. Com esse gigantesco apoio das massas, Chávez pôde realizar um amplo expurgo nas forças armadas, transformando-as em uma força genuinamente nacionalista, assim como existem na Rússia e no Irã, por exemplo. Essa seria a reforma necessária no Brasil e em toda a América Latina. Excluindo as forças armadas desses três países, as outras são controladas pelos EUA, na América Latina, e sempre servem como uma enorme aparato golpista para os momentos de crise. No caso do governo Lula, elas mesmas estão fomentando a crise. Portanto, a questão em si não é desmilitarizar o Estado, mas sim expulsar todo o setor pró imperialista das Forças Armadas, algo que só é possível com uma ampla mobilização popular.
A partir desse momento, o texto começa a sugerir medidas institucionais para combater as FA’s. Citam o artigo 142 da Constituição Federal, que abre margem para uma interpretação golpista dos militares. Em seguida, o artigo afirma: ”Uma revisão constitucional do artigo 142, com o consequente redimensionamento das atribuições das forças militares, abriria espaço também para a rediscussão dos artigos seguintes (143 e 144), colocando em questão o serviço militar obrigatório e a existência dos corpos de segurança pública militarizados nos estados (as polícias militares).” O artigo militarização das polícias é de fato algo a ser combatido pela esquerda. Estas, na prática, se tornam mais uma tropa sob controle do Exército. O serviço militar obrigatório não constitui um problema. Seria positivo o serviço militar para homens e mulheres para que todos cidadão aprendesse a manipular armas e técnicas militares.
O grande problema das forças armadas é um efetivo de meio milhão de pessoas armadas que, na prática, serve de tropa dos generais golpistas. O problema, portanto, não é que o alistamento seja obrigatório – o que não é nem fato –, visto que a esmagadora maioria dos homens não serve e as mulheres militares são quase inexistentes em suas fileiras. O problema é a tropa permanente, ela deveria ser substituída pela classe operária com treinamento militar, ou seja, serviço militar obrigatório para todos, mas de forma que não se formasse uma tropa permanente. Além disso, seria também necessário o acesso a armamento para a maioria da população, podendo seguir o modelo cubano ou venezuelano. Assim, o povo treinando militarmente e com acesso a armas seria um desafio muito maior a possíveis invasões estrangeiras do que o atual modelo de exército.
O texto, então, faz uma proposta que não há como Lula cumprir mudanças na atual conjuntura: “Sendo a simples troca de comando entre pares de mesma geração medida insuficiente para afastar a sombra da intervenção militar no Estado brasileiro, talvez seja a hora de o governo Lula procurar renovar de fato a cúpula dirigente, afastando toda a geração formada na ditadura e nomeando oficiais mais jovens para os postos mais elevados.” Apesar de afastar toda a cúpula ser a medida certa, decretar isso agora seria uma declaração de guerra civil, assim como outras medidas radicais como não pagamento da dívida, estatização de todas as grandes empresas etc. São todas medidas cruciais mas só podem ser realizadas em meio a um processo de ampla mobilização dos trabalhadores.
O texto fecha de forma similar, pedindo a política ‘sem anistia’, mas dessa vez para as pessoas certas, os criminosos da ditadura militar. Contudo, ele mais uma vez não compreende que as instituições não irão realizar essa política: “Para processá-los não bastam os tribunais militares, viciados pela mesma lógica de casta. É preciso julgar a todos pelos mesmos tribunais civis, pois seus crimes são de natureza política e não estritamente militar.” Os tribunais civis são todos dominados por fascistas, o STF, que é o maior deles, foi controlado diretamente pelas forças armadas durante o processo da prisão de Lula. Além disso, eles nunca nem passaram perto de punir algum general, mesmo com a campanha demagógica contra o bolsonarismo.
O Esquerda Online tem a capacidade de apontar a necessidade de uma ampla reforma nas Forças Armadas contudo passa longe de trazer uma proposta real de luta dos trabalhadores. Na prática, defende uma atuação institucional, que é justamente o caminho para o golpe, confiar no Judiciário e no Congresso, que são bases do golpe. E também confiar que o governo Lula teria força para atacar essa força. Enquanto não propuser uma ampla mobilização de toda a esquerda unificada contra as ameaças golpistas dos militares, essa esquerda seguirá agindo como Robespierre de sofá, usando suas guilhotinas imaginárias para combater tanques bem reais.