No último dia 10 de fevereiro, o MRT publicou no seu jornal na internet, Esquerda Diário, uma matéria sobre a viagem de Lula aos Estados Unidos. O artigo, chamado “Lula com Biden: reacomodação das relações com o imperialismo norte-americano”, embora de maneira ensaboada, tenta mostrar uma política pró-imperialista de Lula.
O artigo se esforça para mostrar as contradições do governo Lula, coisa que é natural, já que se trata de um governo conciliador. Mas o MRT não consegue tirar a conclusão correta do problema, ainda que em alguns momentos constate essas contradições.
“Lula defendeu novamente a criação de um ‘Clube da Paz’ para intermediar o fim da guerra na Ucrânia, buscando se estabelecer em uma terceira posição internacional, equidistante de EUA e China, muito diferente dos interesses de Biden e do imperialismo norte-americano, sendo esse o maior ponto de atrito.”
O artigo conclui o oposto do que constata. Se a política de Lula em relação à guerra na Ucrânia busca uma posição “alternativa”, por si só estamos diante de uma política que contraria os interesses do imperialismo.
E tem sido assim no caso da Ucrânia. A análise desse caso deve ser concreta. A posição imperialista desse caso é o apoio à Ucrânia e à OTAN. Ao negar fornecer armas e buscar uma “terceira posição”, Lula está abertamente desagradando o imperialismo, ainda que do seu jeito conciliador. Biden não quer uma terceira posição, ele quer uma união contra Putin e a Rússia, essa é a política fundamental.
Logicamente que Lula, um conciliador, não terá uma posição radical de total apoio à Rússia, seria querer algo que vai contra o próprio cerne desse governo.
A confusão do MRT nesse ponto, crucial na definição da política de Lula, é que o próprio grupo tem uma análise errada no caso da guerra na Ucrânia. O MRT condena a ação russa contra a Ucrânia, como neste artigo, publicado em 22/09/2022, assinado por Esteban Mercatante.
Com base no que foi analisado, acreditamos que é equivocado caracterizar a Rússia tanto como uma potência imperialista, mas também cometer o erro simétrico, de realizar uma leitura campista da situação mundial e concluir de seu choque indireto com as potências ocidentais que possa ser um aliado nas lutas anti-imperialista dos povos oprimidos. A Rússia contesta as pretensões das potências em sua periferia imediata, pelas quais não hesita em recorrer à agressão militar e a opressão a outros povos. Por isso, de forma alguma pretende desafiar e subverter o sistema de pilhagem imperialista mundial, mas sim barganhar dentro dele termos que lhe sejam mais convenientes, reafirmando sua esfera de influência. (Rússia no concerto do poder mundial, à luz da guerra na Ucrânia)
A conclusão, muito confusa, é a de que a Rússia não deve ser apoiada contra o imperialismo porque não seria um governo revolucionário ou de esquerda. A ideia é anti-trostskista, vinda de uma organização que se apresenta como seguidora de Leon Trótski, que ensinou que os revolucionários devem se colocar incondicionalmente com os países atrasados contra o imperialismo.
Se o MRT tivesse uma posição correta diante da situação, entenderia que a posição de Lula, na verdade, desagrada o imperialismo. O artigo continua:
“Os Estados Unidos e a OTAN, responsáveis pela militarização do Leste europeu e por toda a logística do exército ucraniano buscam instrumentalizar o justo repúdio à invasão russa por trás de seus objetivos imperialistas.”
Aqui, revela-se bem a confusão do MRT. O “repúdio à invasão russa” é um produto da propaganda imperialista, nada mais do que isso. Mas não cita o real repúdio que existe na Europa contra a intervenção desses países numa guerra que não é sua, o que está gerando uma crise econômica profunda. Esse repúdio é muito mais importante e real do que aquele que é puro resultado da propaganda imperialista contra a Rússia.
Como o MRT acredita que os russos são vilões nessa história, acredita que o papel da OTAN e dos EUA é de “instrumentalizar” o repúdio. É como se a ação do imperialismo na Ucrânia fosse apenas uma propaganda, como se as armas e o apoio à Ucrânia não fossem reais, não fossem uma política de devastação contra a Rússia e contra a Europa.
“Lula recusou o pedido de Olaf Scholz para que o Brasil envie munições para a Ucrânia, a fim de preservar os negócios de fertilizantes com Putin, mas cedeu a Biden no comunicado conjunto para expressar as posições dos EUA. A subordinação, ainda que distinta da de Bolsonaro, emerge já no primeiro encontro.”
Apesar de Lula negar entregar armas para a Ucrânia, apesar de não se posicionar abertamente contra a Rússia (e de insinuar, na visita de Scholz, que a OTAN provocou Moscou), o artigo do Esquerda Diário conclui que Lula é um subordinado aos EUA porque a única coisa que fez “contra a Rússia” foi assinar um comunicado do qual o MRT sequer sabe o conteúdo.
Para provar sua posição, o MRT se apega a uma declaração do governo Lula em relação ao Peru:
“A cumplicidade com o governo golpista peruano é o primeiro grande retrato do significado da política internacional de Lula quando se trata da luta dos explorados e oprimidos”.
Embora seja uma política errada, por si só ela não representa um alinhamento de Lula ao imperialismo. É parte mais da política de conciliação e, como o próprio artigo explica, de procurar estabelecer como a “principal liderança na America Latina”, do que propriamente uma política pró-imperialista.
As conclusões erradas do MRT acabam, como no caso da Ucrânia, jogando o grupo para o lado do imperialismo, que tenta enquadrar o governo Lula e a Rússia. A burguesia golpista brasileira, porta-voz do imperialismo, enxerga muito melhor do que o MRT a política de Lula. Os ataques contra o governo nos principais jornais golpistas mostram que, no fundamental, Lula desagrada o imperialismo. A política correta é impulsionar toda e qualquer política que se coloque, mesmo que moderadamente, contra os interesses do imperialismo, e criticar qualquer política direitista que o governo possa levar adiante.
O MRT, antes de tachar Lula de pró-imperialista, precisa primeiro ele mesmo largar mão do imperialismo, como no caso da Ucrânia, em que se coloca objetivamente ao lado da OTAN.