Desde 8 de janeiro, existe uma tese, dentro do PT, de que as manifestações bolsonaristas foram um golpe de Estado frustrado. Tal golpe teria sido frustrado por ações administrativas, como o decreto de intervenção federal, ainda que só tenha sido feito depois da normalização da situação, e como o encontro de governadores nos dias posteriores.
Tal análise é profundamente ingênua e revela uma crença na burocracia estatal muito prejudicial para o movimento da classe operária. Chega a ser espantoso acreditar que pessoas experientes acreditem que, se eles tivessem modificado um ou outro ato administrativo, os militares, que possuem armas na mão, teriam deixado o poder, caso essa fosse sua política.
Na Bolívia, quando organizaram o golpe contra Evo Morales, a polícia se rebelou e se recusaram a cumprir as ordens do presidente da República; o exército, não o defendeu. Afinal, é precisamente nisso que consiste um golpe: a ruptura com a legalidade.
Essa crença extraordinariamente grande no cidadão que movimenta a papelada, como, se, por decreto, o mundo pudesse mudar, a mentalidade das pessoas pudesse mudar ou a realidade material pudesse se adaptar ao que determina o decreto é completamente irracional. A nomeação de Capelli, pelo Flávio Dino, é completamente improfícua – a não ser que ele fosse o super-homem e ameaçasse usar sua visão de raio-x contra os militares caso estes se rebelassem, mas, obviamente, não é o que acontece.
Na realidade, não havia golpe de Estado nenhum. Já seria estranho haver um golpe quando o presidente da República não está presente – à época, ele estava em Araraquara –, porque você tem que tomar o edifício e substituir o governo em exercício. Finalmente, era só uma forma de demonstrar a fraqueza do governo e de desestabilizá-lo, não se tratava de um golpe final – e, no que se propôs, foi extremamente bem sucedido, pois criou uma grande crise no interior do governo Lula. É sobre esse ponto de vista que deveria ser analisado.