Uma obra de arte é uma representação de uma estética de tal jeito que provoca e revela uma interação relacional com o público. Tem a característica de se ligar ao espectador de forma que o coloca como protagonista. O artista produz alguma coisa e convence o espectador de que é ele, espectador, que está ali naquela obra, se tornando parte dela, por isso atrai uns e repulsa a outros.
No caso do futebol, como obra de arte, Gilberto Freyre em seu livro “O Negro no Futebol Brasileiro” destacou a importância desse esporte para a história brasileira, já em 1947. Com a transformação da sociedade, que cada vez se tornava mais urbana, a pelota (como era conhecida a bola de futebol na época) se tornou um elo entre a cidade e a população. A marginalização foi um elemento primitivo que foi arrastado para dentro da sociedade brasileira durante as transformações ocorridas durante seu desenvolvimento.
O futebol teve uma importância graúda para o desenvolvimento da sociedade brasileira na década de 1930 e se avolumou mais com a Copa de 38, onde teve destaque o futebol brasileiro; a população brasileira teve no esporte sua grandeza representada mundo afora, pois um esporte trazido da Europa, de onde vinha a marginalização do brasileiro, e que, no Brasil, produziu atletas negros que superavam os europeus na habilidade com a pelota.
Em 1958 surge o que foi chamado de rei Pelé, pois a já conhecida habilidade do brasileiro com a pelota foi agigantada com a habilidade do atleta Edson Arantes do Nascimento, tamanha a destreza do atleta aparente, muitas vezes durante o jogo, em confronto com os outros jogadores, principalmente se comparado com os europeus. Essa habilidade, assim como uma obra de arte, levou ao mundo a glória da população negra brasileira nos dribles de Pelé.
Os brasileiros se conectaram ao futebol levando o simbolismo da sua vitória na luta contra a opressão, através da superioridade dos atletas brasileiros. No âmago, quanto mais habilidade se demonstra com a pelota, mais artístico o futebol se torna, mais ele atrai. O futebol, dessa forma, é uma obra de arte nos pés de jogadores habilidosos. Quanto mais jogadas que poucos conseguem fazer, mais público, mais desejo, mais contentamento, mais elementos atingem em cheio o espectador, especulação. Pelé, nesse sentido, aumentou o grau artístico, com a inovação nas jogadas que mostrou.
Para Freyre, o que acontecia nos campos de futebol e nas arquibancadas era ao mesmo tempo regido e reitor dos rumos que a sociedade brasileira tomava. O público reage ao esporte como um espectador de uma obra de arte. Algo que se repete em intensidade também no âmbito cultural. Afinal, como disse o autor, o futebol ganhou uma importância especial em uma sociedade que deixava para trás os elementos primitivos e buscava se desenvolver, se superar.
A importância do futebol para os brasileiros foi e é muito grande, porém sua representação nas artes nacionais é menor do que poderia se sugerir em grande parte por imposição da burguesia muito sensível à Europa. Não obstante, a identidade nacional brasileira se desenvolveu em paralelo à pelota. As mais variadas manifestações da cultura se anexaram ao futebol, muito notavelmente ou não tão visíveis. O futebol aparece na literatura, no cinema, na dramaturgia, na música, nas artes plásticas. Domina de maneira indireta pois a maneira de falar e de gesticular do brasileiro, neste século e meio quase, é fortemente influenciada pelos jogos.
Pelé, entre fronteiras simbólicas e concretas, extrapolou como ícone para vários artistas plásticos. Entre milhões de admiradores do jogador, o artista visual cearense Aldemir Martins (1922-2006), como em “Pelé” (1966), “Pelé era o jogador mais desenhado e pintado por Aldemir”, como aparece no Instagram do artista. “Aqui é um santuário de uma coisa que existe no mundo: todo mundo joga futebol. Aqui tem o homem que mitificou a camisa 10, um cidadão chamado Edson Arantes do Nascimento. Todo mundo queria ser jogador de futebol com a camisa 10. Mitificou essa imagem que é a bicicleta. Mitificou aquilo que eu considero um dos esportes mais brasileiros, que é o futebol”, diz o artista no registro.
Na mesma época também ganhava notoriedade o trabalho de Rubens Gerchman. O carioca exprimiu sua paixão pelo futebol como poucos, também produzindo intensamente as cenas de bola em seu quadro a partir dos anos 1960. Gostava de contrastar a tensão dos jogadores com a alegria da torcida. “Afinal, o futebol é uma paixão de som, luzes, sentimentos e cores, concentrados no espaço de 110 por 75 metros”, dizia o artista, falecido em 2008. Outro nome contemporâneo é o do paulista Cláudio Tozzi, que dá em seus quadros a representação dos movimentos das partidas.
No dia em que Pelé completou 75 anos foram expostas por 75 artistas as suas obras (imagem acima) do Rei Pelé, bastava esse tipo de manifestação para mostrar que o que Pelé desenvolveu com o futebol é a expressão da sua arte para o público, através de sua habilidade com a pelota nos campos. Os artistas eternizaram momentos do rei Pelé em suas obras, para além do público das arquibancadas dos estádios, para o público das galerias e das telas do mundo inteiro.