Com a virada do ano, um novo Congresso norte-americano foi inaugurado, sua 118ª encarnação. Sua composição, majoritariamente republicana, reflete as eleições de meio de mandato que ocorreram em novembro, quando se esperava uma grande “onda vermelha” (republicana). Apesar da vitória republicana, órgãos da imprensa imperialista chegaram a falar em marolinha. Outros decretaram o fim do trumpismo, relativizando ainda mais o resultado e destacando que os republicanos eleitos seriam, na realidade, “moderados”.
Eis que a primeira terça-feira do ano traz de volta os sonhadores à realidade. Num feito que não ocorre há cerca de um século, 14 deputados republicanos, taxados de “extremistas” recusaram-se a aceitar o líder apontado por seu próprio partido, Kevin McCarthy, como o novo presidente do Congresso. No dia seguinte, o número de rebeldes subiu para 20. Somente na sexta-feira, após alguns membros do grupo dissidente de republicanos dizerem estar dispostos a levar o impasse adiante “por meses”, McCarthy realizou sua ambição de tornar-se presidente do Congresso. Mas não sem grandes concessões, como o compromisso de conceder um terço dos assentos da Comissão de Regras do Congresso aos “radicais”; e o de aceitar que apenas um deputado tenha a autoridade para convocar um voto de desconfiança contra o presidente, colocando sua própria cabeça em risco.
Conscientes de sua posição decisiva num parlamento divido quase meio-a-meio, os congressistas republicanos não hesitaram em usar seu poder para paralisar o Congresso até conseguirem o que querem. Fizeram-no até mesmo a despeito das orientações do próprio Donald Trump, que na última quarta-feira chamou o voto em McCarthy. A situação mostrou a força do trumpismo, ou melhor, da extrema-direita norte-americana, que está disposta a rachar o Partido Republicano se isso for necessário para atingirem seus objetivos políticos. Mostra que confiam em sua base social.
Essa determinação dos “rebeldes” republicanos contrasta com os ditos progressistas dentro do Partido Democrata, como a deputada norte-americana Alexandria Ocasio-Cortez, conhecida simplesmente por AOC. Em 2020, esse setor político, associado à campanha de Bernie Sanders à presidência, tinha o poder nas mãos para travar o Congresso recém-eleito e exigir do futuro presidente da Câmara que suas demandas fossem aprovadas.
Criou-se em torno da possibilidade até mesmo uma campanha, conhecida por Force the Vote – ou “Forcem o Voto”, numa tradução livre. A base da esquerda democrata mobilizou-se para exigir da líder do partido, Nancy Pelosi, que colocasse em pauta o projeto de um sistema único de saúde pública. A campanha fracassou porque os parlamentares, que tinham o poder em mãos para desafiar o establishment democrata, simplesmente votaram em Pelosi, sem grandes justificativas.
O desafio que os 20 dissidentes republicanos levaram adiante na primeira semana do ano escancara, portanto, a fraqueza política da esquerda parlamentar norte-americana. Seu papel é meramente performático, a exemplo da política identitária que tanto defendem. Estão lá para falar, mas nunca fazer.
Essa política pode iludir os trabalhadores e a juventude por um tempo, mas não funcionará para sempre e já mostra sinais de fraqueza. Ainda que não estejam tão organizados quanto a direita, dissidentes do Partido Democrata, especialmente aqueles envolvidos na campanha de Bernie Sanders, começam a ensaiar um desafio ao tradicional regime bipartidário norte-americano. Um exemplo disso é o People’s Party, que deve lançar candidatos nas próximas eleições. Seu programa ainda é confuso e passa longe de ser revolucionário, mas é um sinal da crise política crescente nos EUA. Crise essa que engolirá os oportunistas.