"Imperialismo sinorrusso"

“Bipolarização do mundo”: um disfarce para apoiar o imperialismo

Continuam sendo criadas teses mirabolantes de que a Rússia e a China seriam nações imperialistas, uma versão esquerdista da campanha imperialista contra esses países oprimidos

Desde o início da guerra entre a Rússia e a OTAN na Ucrânia, em fevereiro de 2022, uma grande parcela da esquerda passou a defender a tese de que a Rússia é um país imperialista. O argumento surgiu da grande pressão exercida pelo próprio imperialismo – esse de verdade – para se posicionar contra a Rússia em defesa da Ucrânia (OTAN). Desta forma apareceu a posição pró imperialista esquerdista “nem Rússia e nem OTAN! Ambos são imperialistas!”. Passados 10 meses do início do confronto, esse argumento ainda circula nos meios da esquerda, como no caso do artigo de Jorge Almeida, “A Bipolarização Imperialista”, publicado no sítio A Terra é Redonda

A tese do autor é expressa na primeira frase do artigo:”2022 chegou ao final. E pode ficar na história como o ano da consolidação de uma bipolarização imperialista”. De um lado o imperialismo tradicional, EUA, Europa Ocidental e Japão e do outro o novo imperialismo consolidado, China e Rússia. A guerra na Ucrânia e a disputa em Taiuan somado ao avanço econômico e tecnológico da China teriam consolidado essa nova etapa do capitalismo. E tudo surgiu a partir da crise  internacional do capitalismo em 2008 que permitiu a emergência dessas novas potências imperialistas. 

A tese pode até parecer bem feita para alguns incautos, mas está longe de se basear na realidade. Além disso, ela segue exatamente a cartilha do imperialismo, que ataca a Rússia e a China alegando que esses dois países são agressores. A diferença entre a tese de Jorge Almeida e a da imprensa burguesa é que ele não deixa de acusar o “imperialismo tradicional” (em sua definição) como um dos males do mundo. O grande erro aqui é que na verdade a Rússia e a China são países oprimidos pelo imperialismo e portanto ao igualá-los com os seus opressores na prática está se colocando do lado do mais forte, ou seja, ao lado do imperialismo.

O texto segue explicando a ascensão do “imperialismo” russo: “um marco simbólico do desenrolar dessa bipolarização pode ser 2014, quando a Rússia voltou ao cenário internacional intervindo na Ucrânia para reanexar a Crimeia. Em setembro de 2014 interveio militarmente na Síria, a chamado do governo local”. O ano de 2014 foi quando os EUA organizaram um golpe de Estado anti Rússia na Ucrânia e seguiram com sua guerra na Síria para derrubar Assad. Na Ucrânia, vizinha da Rússia, Putin tomou uma ação defensiva e anexou a Crimeia, uma região de esmagadora maioria russa. Já na Síria sua ação foi mais ousada, a pedido do governo Assad, deu um auxílio militar importantíssimo que impediu a vitória dos EUA. 

Sobre a ascensão do “imperialismo” Chinês ele afirma: “Naquele ano, a China consolidou a ocupação militar e construiu bases em ilhas de recifes no Mar do Sul, disputadas também por outros países (Vietnã, Filipinas, Malásia, Bornéu).” Aqui o argumento é ainda mais fraco, a questão de Taiuan, um território chines controlado pelos EUA nem é comentada. Essas ações na Crimeia e no Mar do Sul também estão muito longe de imperialismo. Ter o controle de uma região onde a maioria da etnia é a do seu país ou do mar do seu próprio litoral é algo natural. Mas nesses casos vai além disso, são ações anti-imperialistas dado que o imperialismo real está tentando ocupar essas regiões estratégicas na fronteira dessas nações oprimidas. 

No caso da Síria a ação é ainda mais anti-imperialista, é uma auxílio militar a uma nação atrasada do Oriente Médio que está sendo ocupada militarmente pelos EUA, é um ato quase revolucionário, uma das ações mais louváveis de Vladimir Putin. O autor deveria explicar como se dá a opressão dos russos no Oriente Médio, que foram cruciais na derrota do Estado Islâmico e na retomada do controle do país pelos próprios sírios. Aqui fica claro que o texto ignora completamente o que é de fato o imperialismo apenas citando diversos casos de política externa dos russos e dos chineses e afirmando que seriam ações imperialistas.

Apesar de não estar expressa a posição do autor ele aparenta se basear na ideia do imperialismo de Lênin, como no trecho: “2022 apresentou o recrudescimento de um processo histórico de desenvolvimento do capitalismo, no seu estágio imperialista, que vem desde o final do século XIX.”. A teoria desenvolvida por Lenin explica que o imperialismo é a etapa do capitalismo em que os monopólios passam a controlar a economia mundial e impõe um domínio global por meio dos governos de algumas nações. Empresas como o Google, Apple, Shell, Exxon, Statoil, Volkswagen, Goldman Sachs, British Petroleum, Deutsche Bank, JP Morgan etc controlam as nações imperialistas e todo o planeta. 

Sendo assim, a Rússia e a China teriam de participar desse grupo para se tornarem países imperialistas, algo que está longe de acontecer. A Rússia tem a sua economia baseada na exportação de gás natural, ou seja, uma economia de país atrasado que exporta matéria prima para países mais ricos. A China por sua vez tem muitas indústrias, mas estão em grande parte sob o controle do capital estrangeiro. O texto cita o caso do 5g, o que é uma exceção que comprova a regra. A realidade é que empresas dos EUA, Inglaterra, França, Alemanha e Japão estão em todo o planeta, já as empresas russas e chineses mal controlam o seus próprios países.

O artigo afirma: “Avançam os monopólios e o capital financeiro. As empresas de ambos os blocos continuam aprofundando seus processos de fusão, incorporação, cartelização, extrapolando suas fronteiras nacionais e desenvolvendo a exportação de capitais”. Mas não explica quais são essas empresas, qual montadora russa disputa com a Ford e  Volkswagen, qual rede social chinesa disputa com o Facebook, qual petroleira russa controla poços de petróleo do Oriente Médio até a América Latina, qual banco Chines possui títulos da dívida pública de dezenas de nações africanas. Isso está muito longe da realidade. 

A Rússia e a China estão longe de entrar em uma grande disputa com o imperialismo. As últimas vezes que esse tipo de confronto aconteceu foi durante os anos de 1914-1918 e os anos de 1939-1945 nas grandes guerras mundiais, essas sim guerras imperialistas. A Rússia por sinal está em uma situação mais fraca do que tinha nessas duas ocasiões, tendo sido desmembrada e cercada por países controlados pelo imperialismo. A China por sua vez se desenvolveu mas ainda não consegue nem mesmo controlar o seu território de Taiuan, como vai disputar o controle do mundo?

O autor também ataca o discurso oficial dos países: “Rússia e China falam em multilateralismo e em defesa de um mundo “harmônico”, de “futuro compartilhado” e da “cooperação” onde predomine o chamado “ganha-ganha”, processo econômico no qual todos sairiam ganhando de modo equilibrado. Entretanto, enquanto fazem esse discurso idealista de inspiração liberal, ambos agem de modo realista, coerente a uma situação de conflito. Assim, o discurso do “multilateralismo” parece mais uma parte de um marketing político-diplomático.” Os discursos de fato não são corretos pois não existe o tal mundo multilateral mas apresentam uma tendência muito progressista de aliança das nações oprimidas contra o imperialismo. Nesse sentido são discursos mais realistas do que de “marketing”.

Esse último ponto é bom para expressar o grande problema do artigo de Jorge Almeida. Apesar dele se apresentar como um ataque à “bipolaridade imperialista” ele é na prática um ataque a China e a Rússia. É uma versão esquerdista da campanha imperialista que finge ser isenta mas que na prática serve aos interesses do imperialismo. O surgimento da bipolarização significa que agora a Rússia e a China são inimigos dos trabalhadores brasileiros e não nossos aliados na luta contra o imperialismo, ou seja, é uma tese que tem o resultado de dividir os povos oprimidos o que facilita a sua dominação.

O texto fecha com a chamada “Então, está faltando o que para a compreensão de que o que está ocorrendo é efetivamente uma bipolarização interimperialista?” A qual vale a pena responder com outra pergunta: está faltando o que para a esquerda denunciar o imperialismo e se colocar em defesa das nações oprimidas?

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