Existe uma vontade, um empenho, fora do comum de parte da imprensa burguesa para defender tudo quanto seja estrangeiro. A mesma boa vontade não se vê, por exemplo, no trato da Seleção Brasileira de Futebol, ou com seus jogadores. A condescendência, o ‘vamos deixar para lá’ nunca se utiliza no sentido contrário. Por exemplo, Messi foi condenado, em 2017, por fraude fiscal na Espanha, e a pena de 21 meses de prisão foi substituída por uma multa milionária. Mas é Neymar, um brasileiro, o mais lembrado quando o assunto é sonegação.
Uma matéria publicada na Outras Palavras, sob o título “Lima Barreto torceria pela Argentina?”, trata de distorcer o que disse nosso escritor. Vejamos: “Parte da torcida argentina chama nossos jogadores de macaquitos, ofensa racista que remonta a 1920 – e fator apontado para sempre agourar los hermanos. Mas o escritor negro desconstrói o insulto – e ajuda a destravar o grito: vai Argentina!” (grifo nosso).
Lima Barreto não desconstruiu nenhum insulto e muito menos ajudaria a ‘destravar’ o grito, isso fica bem claro na quando se lê aquilo que escreveu.
No texto do Outras Palavras, a jornalista Maria Salete Magnoni tenta contemporizar dizendo que se os argentinos nos chamam de macaquitos, “temos que nos lembrar que o racismo no futebol, infelizmente, ainda é uma constante, tanto no mundo, como no Brasil e que ‘incidentes de discriminação racial ainda são comuns nos estádios, assim como restrita presença de negros fora das quatro linhas, nos cargos de treinadores ou nas direções dos principais clubes do Brasil’”. É incrível que, para justificar sua posição, a autora recorra ao argumento de que também somos racistas.
Certo, se tivermos que escolher entre um país atrasado e um país imperialista, não resta dúvida de que estaremos muito mais propensos a ficar do lado de cá. Porém, se trata de futebol e torcer é outra história, embora desejemos, claro, que o imperialista se dê mal.
Histórico
A matéria trata de descrever a origem do tratamento racista que os brasileiros vêm recebendo da imprensa argentina. Tudo teria começado em 1920, quando o jornal La crítica, publicou uma charge representando nossos jogadores como sendo macacos. Na ocasião, nosso time voltava do Chile, após ter participado do 4º Campeonato Sul-americano de Futebol, e passou na Argentina para um amistoso.
Seguindo: em 1921, o Correio da Manhã publicou, em setembro daquele ano, que a Confederação Brasileira de Desportos (CBD), discutia a possibilidade de não enviar jogadores negros para a Copa América. Epitácio Pessoa, então presidente do Brasil, decidiu pelo veto de jogadores negros.
Lima Barreto, em resposta, publicou na Revista Careta, em outubro, uma crítica completamente mordaz e cheia de sarcasmo:
“Foi sua resolução de que gente tão ordinária e comprometedora não deveria figurar nas exportáveis turmas de jogadores; lá fora, acrescentou, não se precisava saber que tínhamos no Brasil semelhante esterco humano […]. A providência, conquanto perspicazmente eugênica e científica, traz no seu bojo ofensa a uma fração muito importante, quase a metade, da população do Brasil […]. P.S – A nossa vingança é que os argentinos não distinguem, em nós, as cores; todos nós, para eles, somos macaquitos.”
Como se pode notar, Lima Barreto não era muito dado à contemporização.
O texto Salete Magnoni tenta nos induzir à conclusão de que com a crônica Macaquitos, teria havido uma ‘desconstrução’ da crítica. Que Lima Barreto teria dito que não deveríamos nos sentir ofendidos por sermos chamados de macacos, pois o macaco é um animal inteligente, que outros países utilizam animais para se referir à sua identidade fazendo uso de animais menos nobres ou inteligentes.
No entanto, insulto continua lá, intacto, o recado de Barreto é para nós brasileiros, não para aqueles que nos ofenderam. O genial escritor fez um elogio aos brasileirosque existe é a boa vontade da grande imprensa brasileira em perdoar quem nos ofende, coisa que o escritor não fez.
Reincidência
Talvez a jornalista não saiba, mas deveria saber, que esse tipo de ofensa é recorrente. Em 1996, ao saber que a seleção argentina enfrentaria a Nigéria ou o Brasil na final dos jogos olímpicos, o jornal Olé publicou em sua capa a seguinte manchete: “Que vengan los macacos”. Os ‘macacos’ ficaram com o ouro, a Nigéria venceu los hermanos por 3×2.
Não se trata apenas de passar por cima de uma história que se passou há cem anos, é uma coisa que vem se repetindo.
O que mais impressiona é o fato de termos o maior jogador de todos os tempos, Pelé, que, não por acaso, é negro. A nossa imprensa ‘especializada’ já ocupou bastante tempo discutindo se Maradona não teria sido melhor que Pelé. Desta vez, por ter conquistado uma Copa, é a vez do, também argentino, Lionel Messi. Pelé conquistou três Copas, mas é comparado com quem conquistou apenas uma. E nem vamos falar de suas capacidades atléticas, habilidade de chutar com as duas pernas (coisa que falta a Messi e Maradona), seus inúmeros gols de cabeça, assistências. Enfim.