O artigo intitulado “O chão social da ‘moral’ bolsonarista”, publicado no sítio do PCB em 16 de novembro último, tenta explicar o bolsonarismo por fora da luta de classes, o que só pode levar ao fracasso argumentativo tão comum na esquerda brasileira, que se limita a criticar os bolsonaristas chamando-os de “gado”, “bando de fanáticos” ou coisas do gênero.
No início da matéria encontramos uma ideia equivocada, que vem se repetindo na esquerda, que diz: “tentaremos elucidar como foi possível e por que encontrou tanta reverberação na sociedade brasileira a “moral” bolsonarista: uma ética reacionária, hipócrita e perversa”. Obviamente, se uma ideia fascista reverbera bem em uma sociedade, isso significa que essa sociedade é fascista. A mesma linha de raciocínio que atribui o nazismo ao povo alemão.
O problema desse conceito nos leva à seguinte questão, “se o brasileiro é fascista”, como combater e vencer o fascismo? A classe trabalhadora teria que ser derrotada. Uma vez que metade do eleitorado votou em Bolsonaro, a outra metade que votou em Lula teria entrar em choque com a primeira.
No caso da Alemanha, temos que lembrar que o povo estava do lado da social-democracia e do Partido Comunista. Foi a burguesia que organizou e financiou a extrema-direita que perseguiu e atacou as organizações operárias. Foi o Estado que assassinou líderes sindicais e encheu os campos de concentração com comunistas.
Para entender o bolsonarismo no Brasil, não adianta tentar recorrer à “questão evangélica”. Antes de recorrermos ao “fenômeno do pentecostalismo” ou dizer que “o adensamento e a sofisticação das relações mercantis nas cidades foi solidificando, progressivamente, ao longo de décadas, condições objetivas para a hegemonia de um ‘espírito capitalista’”.
É preciso lembrar que a direita protagonizou uma longa campanha contra o PT, como nos casos do Mensalão e da Operação Lava-jato. Lula foi preso para não concorrer à presidência. O petista liderava as pesquisas de intenção mesmo estando na cadeia. Uma demonstração da radicalização da classe trabalhadora.
A campanha contra os governos Lula e Dilma, a demonização diária levada adiante contra esse partido, e figuras de proa do petismo pela grande imprensa, têm grande responsabilidade no avanço do bolsonarismo. Foram as elites que fomentaram o extremismo de direita. O intuito da burguesia sempre foi um: derrotar a classe trabalhadora para assim aumentar sua lucratividade.
O golpe de 2016, comandado desde o imperialismo, tratou de acabar os direitos trabalhistas, Previdência e, com isso, aumentou em muito a concentração de renda. Esses ataques aos direitos trabalhistas não são possíveis em um ambiente ‘normal’ da democracia burguesa.
“Complexificação”
O artigo em questão tenta ligar muitos fatores para explicar o bolsonarismo. Seja pelo aumento da urbanização, ação das igrejas. Cita Max Weber, autor de A Ética protestante e o “espírito” do capitalismo, no qual, sem sucesso, tenta ligar o capitalismo a determinada forma religiosa. O capitalismo, não pode ser explicado a partir de um aspecto da vida social, como a religião.
É inútil, como faz a matéria, tentar trazer à tona mercantilização nas igrejas pentecostais, onde, supostamente, “elementos podem ganhar disfarces simbólicos, conscientes ou inconscientes, e serem chamados de “Jesus”, “Deus”, “espírito santo” e “pátria”. Nas igrejas neopentecostais, os pastores identificam deliberadamente Deus e o capital. A divindade vira bolsa de ações ordinárias e preferenciais. Esta nova alienação da consciência leva à defesa do patriarcalismo e, portanto, de uma família tradicional idealizada, em plena cidade”.
Mesmo que fosse possível explicar o conservadorismo a partir desse tipo de igreja protestante em um país atrasado como o Brasil, como explicar o avanço da extrema-direita na Itália, país desenvolvido e com 80% da população católica?
A luta de classes
A única coisa que une o crescimento da extrema-direita em países tão diferentes, como Estados Unidos, Brasil, França, Itália, Suécia etc., é a luta de classes. A esquerda vem recuando, está na defensiva, enquanto isso a direita avança.
Ao tentar olhar as inúmeras possibilidades que poderiam, em tese, explicar o bolsonarismo como fenômeno social, o autor da matéria tirou os olhos do restante do mundo.
Existe outro aspecto que escapa à análise: se, por um lado, a direita avança, o Brasil se polariza e praticamente se dividem em dois, a esquerda também tem se tornado conservadora. Nestas eleições, por exemplo, o governador eleito do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, um bolsonarista de carteirinha, recebeu “votos críticos” da esquerda porque seu adversário seria um bolsonarista ainda mais conservador.
A política de cancelamento, lacração, tão comuns na esquerda, nada mais são que uma atitude autoritária que se expressa com mais força quando setores ditos ‘progressistas’ pedem que o aparato de repressão do Estado burguês seja utilizado para reprimir manifestantes bolsonaristas.
Sem uma análise marxista, concreta, da luta de classes e seus desdobramentos na sociedade, ninguém conseguirá combater corretamente o avanço da extrema-direita. No máximo, como temos constatado, a disputa recai sobre o campo moral e o ambiente político, como um todo fica mais conservador e favorável à direita.