No dia 10 de novembro, foi publicado, na revista Jacobin, um artigo assinado por Eraldo Souza dos Santos, intitulado “O problema são os fins, não os métodos”. O autor traz o debate sobre as manifestações bolsonaristas após o resultado das eleições presidenciais, em particular os bloqueios de rodovias.
“Em seu discurso de exatos 134 segundos, Bolsonaro ecoou as críticas: ‘As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir’.
O autor do artigo chama a atenção para um ponto muito importante do debate. A extrema-direita, para convencer os seus de que deveriam largar as manifestações, acusa os métodos de serem esquerdistas. A direita tradicional, que foi quem reprimiu as manifestações, acusa os bolsonaristas com as mesmas palavras que acusam a esquerda: baderna, terrorismo, arruação.
O mais incrível é que setores da esquerda repetem de boca cheia as acusações reacionárias. Como bem mostra o autor do artigo:
“Contudo, tais críticas às táticas dos movimentos têm sido compartilhadas pela própria esquerda radical – em uma estratégia de defesa à democracia da qual só sairemos perdedores.”
É fato que a esquerda sairá perdendo repetindo mesmos argumentos da direita contra movimentos políticos. Ontem, os arruaceiros eram os movimentos sociais e a esquerda, hoje são os bolsonaristas e amanhã, com ainda mais força, voltarão a ser os esquerdistas. Sobre isso, o autor continua:
“Muito se tem insistido que o caráter ilegítimo dos movimentos atuais reside na disrupção que eles têm causado. E, de fato, os protestos têm perturbado a circulação de mercadorias e indivíduos, para usar a linguagem dos liberais, no interior do território nacional. Invés de métodos ‘pacíficos’ (…) As críticas falham, entretanto, em capturar o que é realmente problemático e inaceitável (…) São os fins golpistas – não os meios disruptivos e potencialmente coercitivos – que são o problema real. É o fascismo, o autoritarismo, e não ameaças de desordem, que deveriam nos preocupar antes de tudo.”
Acusar de desordem, de perturbação etc realmente não só é errado como não diz nada sobre a legitimidade de um manifestação. Se considerarmos, como quer um setor da esquerda, não legítimo algum movimento político porque ele causa desordem, estamos deslegitimando os próprios movimentos da esquerda que podem ser acusados da mesma coisa. O problema, portanto, não são os métodos, como diz o autor. Contudo, segundo o autor, o problema são os “fins”.
Nesse caso, se o conteúdo de determinada manifestação é fascista, não importa qual método está sendo usado, essa manifestação não seria legítima. É nesse ponto que reside a confusão do autor.
Quem vai determinar se os “fins” de determinado protesto é legítimo? Com certeza não será o autor da matéria, com certeza não seremos nós, não será a esquerda, não será o povo. Para saber disso é fácil: quem participa de movimentos sabe que é comum a burguesia acusar uma manifestação de esquerda de ser fascista. Nesse sentido, não devemos buscar um padrão abstrato para medir a legitimidade de uma manifestação.
Por princípio, qualquer ato político deve ser legítimo. E cabe à esquerda o debate político, não o pedido de censura, repressão ou coisa que o valha. A esquerda precisa combater a direita com seus próprios métodos políticos, sua própria organização.
O golpe de Estado, organizado pela burguesia, não é legítimo porque é o uso da própria máquina estatal contra os direitos da população, não por seu mero conteúdo político. Uma manifestação política, de direita ou de esquerda, não configura um golpe apenas por existir.