Nessa terça-feira, dia 15 de novembro, morreu o Luiz Antônio Fleury Filho. A morte foi confirmada pelo presidente do MDB, Baleia Rossi, e a causa não foi divulgada até o fechamento desta edição. Figura notória na política nacional, o ex-governador do estado de São Paulo, Fleury, ficou famoso em 2 de outubro de 1992, como o responsável pelo massacre do Carandiru. Naquele dia, uma rebelião de presos no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo, conhecida por Complexo do Carandiru — que chegou a abrigar mais de 8 mil presos, sendo considerado à época o maior presídio da América Latina —, teve início. Numa operação com a justificativa de acabar com a rebelião, a tropa de choque da polícia militar do estado de São Paulo foi acionada e, comandada por outra figura notória, o coronel Ubiratan Guimarães, realizou a maior chacina ocorrida no Brasil recente, executando 111 presos.
Com a rebelião, os presos estenderam faixas nas janelas, com reivindicações de direitos. Reportagem do dia seguinte, de Isabela Assumpção para o Jornal Nacional do dia 3 de outubro, pode ser assistida aqui. Na operação que resultou no massacre, 68 policiais estavam envolvidos, dos quais nenhum foi morto. Sobreviventes relataram que os policiais atiraram em detentos rendidos e em outros que estavam dentro de suas celas escondidos. “Senhora, senhora, eles entraram atirando para matar, jogaram gente no fosso do elevador, atiçaram os cachorros pra terminar o serviço” foi um dos relatos aos jornalistas que adentraram o pavilhão 9 após o massacre, três dias depois do ocorrido, quando se autorizou a entrada da imprensa. Do total de 111 mortes, apenas 26 foram fora de suas celas. Na reportagem de Caco Barcellos para o Jornal Nacional, no dia 5 de outubro de 1992, os relatos dos presos são apresentados em depoimentos dentro do complexo, você pode assistir aqui um recorte de 2 minutos. O tom do repórter é formal, já as informações, são aterradoras.
Polícia militar entra no complexo do Carandiru. – Foto: Reprodução
Fleury, o açougueiro do Carandiru, era um político da direita tradicional, democrática e civilizada do MDB. Diferentemente do que se coloca pela imprensa burguesa e pela esquerda pequeno-burguesa, Fleury não era parte do que se chama hoje de extrema-direita, bolsonarista, etc. O que se demonstra é que, apesar das bravatas dos bolsonaristas e da fachada democrática da direita tradicional, como o MDB e o PSDB, são justamente esses últimos os mais antidemocráticos, os mais fascistas. Foram os parteiros do bolsonarismo e, até hoje, são seus pais, inclusive ideologicamente.
Assim se comporta a direita civilizada
A confusão hoje é realizada pelo apagamento ou ignorância histórica de conveniência. A esquerda e a imprensa não levam em conta aqueles que sempre defenderam a polícia, sempre a empregaram com toda a força contra a população. Os “democratas” de hoje saíram gordos da ditadura e, de lá para cá, fora uma fachada limpa sem o tom verde-oliva, não mudaram em nada seu entendimento político.
De lá para cá, a atuação da polícia sob os governos civilizados apenas se intensificou. Nos anos de 2018 a 2021, a polícia matou mais de 6 mil pessoas por ano, segundo números oficiais. Uma máquina de ditadura sobre a população. Enquanto a direita civilizada impõe a fome e o desemprego, a polícia mata e encarcera os pobres para gerar medo e impedir a revolta. Caso a revolta se manifeste, a repressão avalia se espancar os trabalhadores dá conta do recado, utilizando balas com revestimento de borracha, bombas de letalidade reduzida e cachorros, ou se a forma para tal é com as balas de aço tradicionais e democráticas para cima do povo massacrado.
Chacinas democráticas, repressão justificada
Desde o Carandiru, as chacinas cometidas rotineiramente pelas polícias, desde as militares, às civis, passando pela polícia federal, são acobertadas ou até mesmo endossadas pelos que clamam por democracia, como a imprensa burguesa. Presos que se revoltam contra as condições que lhes são impostas no cárcere não tem motivos para tal, segundo a imprensa burguesa, desde o Carandiru. As revoltas são no máximo noticiadas como uma “baderna”, inclusive em casas de detenção de crianças e jovens, os chamados menores em conflito com a lei, com a chamada pela entrada totalmente legitimada pela imprensa das tropas de choque como forma de lidar com a situação, até hoje.
As chacinas nas favelas são tratados como casos isolados, ou um fato da natureza, inevitável, mesmo com o envolvimento das três forças policiais e com ações repetidas. No caso do Jacarezinho, o maior massacre cometido pela polícia do Rio de Janeiro, que totalizou 28 mortos em 2021, a polícia civil não só cometeu a chacina como, após o feito, deu uma dose a mais de civilização para a favela. Os moradores erigiram um monumento aos mortos, com os nomes das 28 pessoas, no aniversário de um ano da chacina, no dia 6 de maio deste ano. Apenas seis dias depois, a polícia civil, com o uso de caveirões, os blindados da polícia, foi até o local e derrubou o monumento.
No massacre de Paraisópolis, também em 2021, governado à época pelo científico e democrático esquecido João Doria (PSDB), o fato foi tão divulgado que a imprensa chegou a esboçar alguma condenação, mas do fato apenas. O caso foi tratado como outro momento isolado de abusos da polícia, desta vez a militar. Frente a fatos como esses, a direita democrática nada argumenta. De fato pontual a fato pontual, chegamos a uma situação generalizada de repressão da população, encoberta agora sob uma fachada de democracia institucionalista.
Um sequestro à luz do dia
A direita tradicional, agora, se utiliza da sombra do fascismo representado pelo bolsonarismo para trazer a esquerda pequeno-burguesa para si, num sequestro político. Essa esquerda, descrente do povo trabalhador como eixo central para o avanço da sociedade, se amedronta e, não vendo onde se agarrar, se escora onde a burguesia imperialista, mestra da direita civilizada lhe indica, as instituições. O judiciário, que encarcera nosso povo por nada, muitas vezes contra a lei, como no caso dos jovens, que de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente não poderiam ser presos por crimes não violentos, é transformado de laboratório nazista em santo tribunal democrático. E agora cada vez mais passa a ter em suas mãos o poder também de regular a opinião, poder conferido sem oposição, com apoio enfático da esquerda, que deseja por algo entre si e a extrema-direita, uma chantagem realizada pela burguesia.
No último período, chegando a um ponto caricato, a esquerda passou a defender a repressão policial. Da mesma polícia de Paraisópolis, da mesma do Jacarezinho, a mesma do Carandiru. No momento a esquerda tem sido sequestrado pela direita sob o falso argumento da ciência, da democracia e da civilização. Cega de medo, a esquerda não vê o sangue na mão dos carniceiros em que busca se amparar, nem os pedaços de carne que pendem ao lado de seus novos heróis.