A realidade é que o vestibular não é pra todo mundo. A tese de que o Enem e a política de cotas tornariam o acesso ao ensino universitário mais democrático se mostra cada vez mais furada. Esse ano, apenas 1 de cada 4 alunos inscritos para a prova eram oriundos de escolas públicas. Temos aqui um dado inquestionável que evidencia como a universidade ainda é um território ocupado majoritariamente por uma parcela da população que pode pagar por uma educação básica privada.
No ensino público básico se concentram os estudantes das classes mais pobres da população. Muitos deles têm somente na escola a garantia de uma refeição diária. São crianças e jovens que na maioria das vezes precisam também trabalhar para ajudar na sobrevivência da família. Nesse terrível cenário, sair da escola significa ter mais tempo para trabalhar e ganhar um pouco mais de dinheiro.
Ainda precisamos destacar toda a degradação que vive a escola pública, que recebe cada vez menos investimento, muitas vezes possui estruturas precárias, falta de professores e baixíssimo investimento na formação docente.
Outro ponto indiscutível é que a dedicação aos estudos só é possível com condições de vida econômicas e sociais mínimas. A estabilidade familiar financeira é essencial para a permanência do jovem em seu processo de formação. Principalmente no que se refere à formação universitária, que se dá em uma fase onde o estudante já pode vender sua força de trabalho adulta, um pouco mais valorizada pelo mercado de trabalho.
Em resumo, em sua maioria, o estudante da escola pública faz parte de classes pobres e mais vulneráveis, além de estudar precisa muitas vezes ajudar economicamente sua família. Por seu lado, a escola pública não garante um ensino de qualidade para quem mais precisa. Como num cenário como este ainda pensar em fazer uma faculdade? Essa é uma escolha possível para esses jovens? Então, como dizer que o vestibular é para todos?
As políticas de ações afirmativas só têm efeitos para aqueles que minimamente conseguem se inscrever no vestibular. Não adianta nada ter as cotas se os estudantes que mais precisam se beneficiar delas não chegam nem mesmo a fazer a prova do Enem. Ou seja, sem ensino público de qualidade, sem garantias financeiras, o vestibular é mais um obstáculo gigantesco, dentre tantos outros, para essa jovem população já tão esmagada.
Na realidade, para que exista uma mínima chance desses estudantes pobres frequentarem a universidade seria essencial uma ¨bolsa família¨ universitária. O Estado deveria garantir a permanência do estudante pobre na universidade com uma bolsa de estudo de valor digno. Além, é claro, de efetivamente democratizar o sistema de acesso à universidade, o que só ocorrerá com o fim do vestibular.