Em uma entrevista ao Nexo Jornal, o sociólogo Celso Rocha de Barros, colunista “esquerdista” da Folha de S.Paulo, autor do livro “PT, uma história”, expressa a opinião do setor “democrático”, “progressista” da burguesia a respeito do que o PT deveria fazer num futuro próximo. Logicamente, isso seria apenas um “bom conselho”, de uma classe social que gostaria de “contribuir” para a suposta evolução política do PT.
Tem uma avaliação de que “uma maneira de descrever a crise da democracia brasileira” é olhar para a “crise da direita democrática”, particularmente o PSDB. Essa avaliação até parece relativamente sensata entendendo que a “crise da democracia” na verdade é a crise de um regime político que foi sustentado por um pacto entre os diversos setores da burguesia desde o final da ditadura, setores que se convergiram ao redor de partidos do “centro político” como o PSDB e que a implosão desse “centro político” é a comprovação do fim de uma era relativamente tranquila para a dominação da burguesia, que agora dá lugar a um período conturbado de polarização política e acirramento da luta de classes.
Mas parece relativamente sensata apenas se formos corrigir sua avaliação, e somente se comparada a besteiras sem tamanho proferidas pelo acadêmico de Oxford ao longo da entrevista, como a ideia de que Luciano Huck teria sido eleito no primeiro turno caso fosse candidato à presidência em 2018.
Essa erosão do “centro democrático”, ou da “direita democrática”, como aponta Barros, é parcialmente explicada pelo avanço e consolidação da extrema-direita. Mas é aí quando toda a explicação sociológica e histórica demonstra qual é o seu objetivo: domesticar integralmente o PT e transformá-lo em uma força política absolutamente inócua. Segundo ele, a situação atual “exige uma virada ainda mais pragmática, uma abertura ainda maior a novas alianças e inclusive a novas alianças ideológicas. O governo Lula teve amplas alianças à direita, teve a incorporação de ideias de direita, tanto boas quanto ruins, mas o PT nunca incorporou nada disso”.
O PT deveria ceder ainda mais do que já cedeu em sua história à direita e à burguesia. Porque a burguesia, mesmo após toda a conciliação do PT, ainda acha que o partido é “radical de mais” e, portanto, intragável na maioria das circunstâncias. Tanto é que ela está apoiando ferozmente Jair Bolsonaro neste segundo turno contra Lula.
“O futuro do PT é como sócio majoritário de uma federação de centro-esquerda, em que ele inclusive pode não ser majoritário para sempre. Vai envolver alguns ex-tucanos, a Rede. […] O futuro do PT passa por ser o núcleo dessa nova coligação de esquerda, que deve ser mais centrista, mas estou supondo que a democracia brasileira vai voltar a funcionar direito. Se o Bolsonaro ganha a eleição e radicaliza, aí nada disso faz mais sentido”, afirma.
Para a burguesia, o ideal seria isto mesmo: que o PT desaparecesse. Se não imediatamente, pelo menos aos poucos. Diluindo-se em uma coligação permanente com os partidos “democráticos” da direita como Rede, PV e PSB, depois ficando completamente a reboque desses partidos até sumir. E o PT teria de fazer isso, mesmo que assumisse o governo federal, ou seja, mesmo sendo a força que domina de forma esmagadora todas as outras forças do “campo democrático”. O PT deveria ceder mesmo não precisando.
Na opinião do colunista da Folha de S.Paulo, o PT deveria deixar de ser uma força real de esquerda ─ mesmo que confusa e reformista ─, com vínculos fortes com a classe operária, para se tornar um novo MDB, um partido de bandidos que, ainda na ditadura militar, era o braço esquerdo do regime e que foi o pilar fundamental da garantia de mínima estabilidade na dominação do imperialismo com a transição da ditadura para a “democracia”.
“Agora, o grande desafio do Lula é que o PT vai ter que fazer o papel que foi do PMDB na década de 80. O PT vai ter que ser sócio majoritário desta coalizão para a reconstrução da democracia. E isso vai ser um enorme desafio para o partido, porque o PT não cresceu pensando assim. […] O PT nunca passou pela experiência de ser ele o responsável por botar o sistema de pé de novo. E agora ele vai ter que fazer […]”, diz.
Ele acredita que a situação atual é igual à de 40 anos atrás. Não é exatamente assim, até porque o antigo PMDB era o partido do imperialismo ─ o que depois foi assumido de forma protagonista pelo PSDB ─ e o PT não é esse partido. O PMDB conseguiu amarrar o restante dos partidos opositores à ditadura, incluindo em certo grau o próprio PT, para os seus próprios interesses e os do imperialismo. Foi uma força desmobilizadora em meio a uma intensa mobilização social que apresentava a tendência de passar por cima de todo o lixo que havia restado do regime militar ─ o PMDB incluso.
Já o PT, hoje, tem um papel oposto para a burguesia. O papel de salvar os seus partidos do precipício. Por isso a burguesia quer, por um lado, afundar o PT, e, por outro, “aliar-se” a ele. Ao mesmo tempo que necessita se livrar do PT ─ como se comprovou com o golpe de 2016, a prisão de Lula, o impedimento de sua eleição em 2018 e a mesma tentativa em 2022 ─ mas também se agarrar no PT para se salvar da enorme crise onde caiu. É isso o que Barros quer dizer quando afirma que o PT teria de ser “o responsável por botar o sistema de pé de novo”.
A burguesia vê o PT como um obstáculo. Mas, ao mesmo tempo, como um objeto utilizável. Porém, como afirmamos acima, o PT de hoje não é o PMDB da década de 1980. Não tem condições de reunir em torno de si uma frente ampla para “salvar a democracia”. Porque não é assim que “se salva” uma democracia, ou seja, o regime político decrépito, de uma crise terminal. A polarização política, evidenciada pela ascensão e consolidação da extrema-direita, atinge a base social do PT, cujos interesses se chocam diretamente com essa política apresentada por Barros. Conforme a crise se acentua cada vez mais, a erosão do “centro político” aumenta e, portanto, esses “aliados” do PT tendem a ser pulverizados e atropelados pela própria força da luta de classes radicalizada.
Barros acredita que o sistema pode ser reconstruído, ou seja, que o mesmo regime surgido do fim da ditadura pode voltar, tendo ele acabado de sofrer um duro golpe em direção ao seu fim. Ele não será reconstruído. E se os dirigentes do PT caírem nesse conto da carochinha, espalhado pela burguesia com a exclusiva intenção de minar o poder do PT e trabalhar para o seu desaparecimento, serão atropelados. Até porque, como o próprio autor admite, a extrema-direita é uma força que se consolidou.




