A filósofa e escritora Márcia Tiburi apresentou uma nova e estapafúrdia tese para explicar o bolsonarismo e o movimento de extrema-direita que existe hoje no Brasil e ameaça a esquerda. A tese, como já costumeira, é patentemente falsa e acaba por ser, involuntariamente, mais uma “mamadeira de piroca”, como ficaram conhecidas as ideias absurdas e notícias falsas propagadas no debate político nacional.
Em artigo publicado no Brasil 247, a filósofa apresenta a seguinte tese: o bolsonarismo é um movimento gerado por uma lavagem cerebral em massa. É isso mesmo, caro leitor, lavagem cerebral. Fica pior, ela ainda propõe ao final do texto uma solução: “Todas e todos precisam entender como seu cérebro foi cancelado…”. Como se vê, a proposta dela seria pegar pessoas que supostamente tiveram seu cérebro “lavado”, que na definição dela faz com que as pessoas se tornem incapazes de pensar, e fazê-las entender algo. A ideia é complexa de se aceitar, para não dizer fora de série, por pessoas que não tiveram o cérebro lavado, quiçá pelas pessoas supostamente “lavadas”.
É saudável questionar o que faz este Diário gastar seu tempo respondendo este tipo de coisa estapafúrdia, mas há sim necessidade de responder. A posição de Márcia Tiburi é apenas uma forma extremada do raciocínio que apelidou os bolsonaristas de “gado”. A tese é simples: o cidadão é bolsonarista porque é burro, ignorante, maldoso, oportunista, etc… Esta tese falha por não responder uma simples coisa: como então ele conseguiu 51 milhões de votos no 1º turno? Há mesmo 51 milhões de pessoas verdadeiramente “deploráveis”? Uma outra dúvida surge à mente, se isso de fato existe e funciona, toda ditadura não lavaria o cérebro de seus cidadãos?
Como vemos a tese é uma mistificação para evitar de discutir a questão fundamental: o que faz com que uma parte considerável da população tenha aderido ao bolsonarismo? Considerando que estas são pessoas comuns, como quaisquer outras? É preciso encontrar causas políticas, sociais para os acontecimentos políticos e sociais, não podemos atribuir uma causa mística como magia negra, feitiçaria ou lavagem cerebral. Fazer isso é, inclusive, ofensivo ao público, que pensa.
É visível que há um descontentamento gritante de amplas parcelas da população para com o regime político e suas instituições. É inegável que nenhum cidadão brasileiro gosta do regime político do que país que vive. É inegável que pouquíssimos acreditam que os partidos que aí estão e administram o poder são rejeitados. É igualmente inegável que Bolsonaro e Lula são vistos como figuras advindas de fora desse sistema político, como algo diferente dos outros políticos. Estão certos de achar tudo isso, isso mostra que o povo pensa e pensa, em grande medida, corretamente.
O sistema político atual é percebido de forma instintiva pelo povo como o mantenedor da política de austeridade e da miséria da população, bem como um permanente entrave para o desenvolvimento nacional. Este mesmo sistema é entendido pelo povo como uma máquina de tirar direitos e de opressão. A população está revoltada. Esta revolta não é algo febril, que pulsa e faz se evidente a todo momento, como é quando a população toma as ruas e protesta, quebra vitrines e derruba governos. É um descontentamento mais profundo, mas menos sentido na superfície, algo latente. É visível, mas não óbvio.
O bolsonarismo é fruto não de lavagem cerebral, mas de problemas reais e uma raiva real. Para alguns, principalmente os que frequentam ambientes rarefeitos como a filósofa Márcia Tiburi, pode parecer de difícil compreensão, mas o povo tem motivo de ser agressivo e de estar com raiva, até ódio. Este descontentamento real foi estimulado, direcionado, manipulado contra os governos do PT durante a campanha para derrubar Dilma Rousseff, obra não da lavagem cerebral, mas da propaganda, de apontar o culpado errado para o problema que existe. Este é um dos pilares do bolsonarismo.
O outro pilar que possibilitou que a criação deste amplo movimento foi a política de conciliação de classes empregada pelo PT (Partido dos Trabalhadores) em seu governo, é patente que aqui, o PT contribuiu e muito para a situação atual, onde muitos, inclusive os bolsonaristas, os veem como parte do sistema político que todos odeiam.
As pessoas que hoje votam em Bolsonaro precisam de ser convencidas, não ofendidas e injuriadas, é preciso apelar para a razão e não para o misticismo.





