Às vésperas da eleição vemos uma polarização crescente, um acirramento total de ânimos. Na mente da esquerda de classe média, isso se traduz num sentimento de total desespero. Em um determinado artigo vimos ser levantada a seguinte ideia “A vitória de Lula apenas será plena se for Bolsonaro preso” logo seguida de uma lamúria pelo simples fato de que isso tende a não acontecer, afinal, ganhando ou perdendo, Bolsonaro terá uma base importante no Senado e na Câmara.
O pensamento é bastante exemplar da confusão da pequena burguesia neste momento da luta política nacional. O que estamos vendo aqui, é uma tentativa de eliminar o problema percebido, sem, de fato, eliminar coisa alguma. Os que levantam essa hipótese não estão, de forma nenhuma, compreendendo o problema Bolsonaro. Bolsonaro não é um risco por ser corrupto, antidemocrático, fascista ou ditatorial. Não são estas as características que o tornam particularmente destrutivo. O PSDB era todas essas e muito mais. Neste sentido, era uma força bastante mais ameaçadora. O que torna o bolsonarismo um grande problema é sua característica de movimento de massa, de movimento de contestação e seu caráter mais ideológico.
O bolsonarismo reúne nessas características, um movimento tipicamente fascista. Seu caráter fica oculto pelas particularidades do Brasil, além da falta de unidade da burguesia em torno desse movimento. Diferentemente, contudo, de movimentos fascistas tradicionais, o bolsonarismo, há de se reconhecer, ganhou muito terreno entre setores que não são tradicionalmente fascistas por erros da esquerda, e por bandeiras por ele empunhadas.
É o caso com a defesa bolsonarista da liberdade, com a defesa que fazem de questões como o armamento e até a bastante hipócrita defesa que fazem em relação à defesa nacional. O bolsonarismo conseguiu, entre setores mais politizados e esclarecidos, abrir um flanco, um caminho por onde se desenvolver, até mesmo na classe operária, por conta desse programa e essa aparência que se convém chamar de “antissistema”.
Há um enorme descontentamento com a chamada “Democracia Liberal” que vigente na maioria do mundo e no Brasil, que vigora praticamente apenas no papel. Há um gigantesco descontentamento popular em relação à política sistemática de fiscalização estatal, à política neoliberal e de austeridade. Essa revolta permeia a situação e se desenvolve numa rejeição sistemática do modelo político, que é visto, corretamente, como uma ditadura de fachada democrática. O bolsonarismo surge da decomposição deste sistema político e da total falta de capacidade da esquerda de se apresentar como alternativa.
A prisão de Bolsonaro, de seus agrupamentos, seus propagandistas, não fará nada de significante para abater o movimento de direita, podendo até ocorrer o exato oposto.
O movimento de Bolsonaro compartilha muitas características com o lulismo dos últimos 20 anos. Lula sempre foi visto por amplas parcelas do povo como um elemento de fora do sistema e da máquina podre que é a política nacional. Seus mandatos, e subsequentemente os de Dilma, foram mandatos que, apesar de jogar o jogo da burguesia, se desenvolveram numa guerra de atrito, onde a burguesia foi obrigada a atacar o governo por diversas vezes, culminando no golpe de Estado de 2016; que foi, para todos os efeitos propósitos, um mandado de despejo que o sistema realizou contra o PT, seguido da prisão de Lula em 2018.
Todas as medidas de repressão disponíveis dentro do regime político brasileiro e algumas fora dele, foram usadas contra o PT. Lula passou mais de 500 dias preso, qual o motivo da sua recuperação tão rápida? As raízes sociais do lulismo, as coisas que o tornaram uma força importante, continuaram intactas. No momento em que foram devolvidos seus direitos políticos, Lula voltou mais forte do que estava quando o governo caiu.
Mas se o lulismo é antissistema, de onde saiu o espaço para a criação do bolsonarismo? Da guinada ao centro que o PT deu durante os anos de governo. O PT foi uma força antissistema durante toda a sua história, este caráter contudo foi sendo mudado durante seus anos de governo. O Partido perdeu suas organizações de base, tornou-se uma massa amorfa. O caráter antissistema ficou confinado à figura de Lula, não à sua política e ao seu partido. A figura do líder messiânico é uma figura natural da política em países atrasados. Este fenômeno se repete no Brasil, na Argentina, no Equador, na Bolívia e na Venezuela. Mas vê-se que em alguns lugares, como no caso do chavismo na Venezuela, criou-se partidos, organizações e até mesmo uma política para acompanhar estas lideranças.
O caso da Venezuela é emblemático, não há no país grande força de extrema-direita. Não há bolsonarismo, existem protótipos, mas nenhum com o poder que tem a direita aqui ou no resto da América Latina. Muito menos em Cuba. A extrema-direita que existe nesses países é alimentada diretamente pelo imperialismo norte-americano e com muito pouca influência de massas. É uma direita castrada, vista como o sistema tentando invadir novamente o ambiente político. A esquerda, com características mais combativas, varreu a direita do mapa.
Prender e perseguir o bolsonarismo não resultará em nada. Ele precisa ser derrotado no campo da política, das ideias, precisa ser expurgado das suas posições adquiridas no seio do povo. Se isso acontecer, não haverá nem a necessidade de prender. Mesmo que haja, será como prender meia dúzia de tresloucados, fracassados, sem nenhuma relevância. A esquerda, para vencer o bolsonarismo, precisa romper com o sistema e derrotar o bolsonarismo naquilo que é o seu ponto mais forte.





