O avanço da luta de classes, a polarização e a aproximação do dia da eleição deixa os mais diversos setores da esquerda pequeno-burguesa profundamente confusos, sem saber para onde ir, a quem recorrer, nada, até coisas que parecem óbvias são perdidas pela marcha dos acontecimentos. Neste mar de confusão, vale o velho ditado “em terra de cego, quem tem olho é rei” vale aqui mais do que nunca.
Em texto publicado por um articulista convidado do Brasil 247, se argumenta que o que está acontecendo na baixaria eleitoral, as chamadas “Fake News”, é uma disputa pelo “regime de verdade da sociedade” como apresentado em Foucault, e que Janones está disputando o regime de verdade com Jair Bolsonaro. Verdade seja dita, a situação já é confusa, a introdução de Foucault apenas faz aumentar a confusão, mas resulta em bons artigos, de crítica ao próprio Foucault, é claro. Vejamos.
A ideia de verdade da esquerda pós-moderna
O autor apresenta que, para o filósofo francês, existem duas verdades: uma verdade científica, que possa ser medida, o que ele batiza de “verdade-demonstração” e uma outra que surgiria do conflito, dos fenômenos, que Foucault batiza de “verdade-acontecimento”. Ele ainda apresenta a tese de que a verdade científica é apenas um momento desta verdade acontecimento. Para completar a salada, esta verdade-acontecimento, é nativa de cada sociedade, tendo suas próprias regras e funcionamentos. Iremos poupar o leitor da citação integral, que ele é livre para encontrar no artigo original, mas avisamos desde já que não faz bem para a razão do ser humano. Por mais absurda que pareça, a ideia de que a verdade é relativa, é mais velha que o tempo, e até hoje, como vemos, ela não foi de fato extirpada da cabeça dos intelectuais. Esta ideia, inclusive, norteia a política de diversos setores da esquerda pequeno-burguesa, principalmente os identitários.
Verdade relativa, verdade-acontecimento, verdad-demonstração, e a relação de tudo isso com a verdade
Para o marxismo, e a ciência em geral, a verdade é a matéria, a realidade. Da mesma forma que é verdade que uma casa é feita de tijolos, a água é feita de hidrogênio e de oxigênio. O leitor bem pode estar se perguntando, certo, mas o que isso tem a ver com a eleição e “fake news”? É simples, é preciso partir do mais abstrato para então entender o mais concreto. O marxismo, naturalmente, entende que a verdade é a realidade, mas também entende que o que é verdade em alguns casos, pode não ser verdade em outros. Isso significa que a verdade em si é relativa? Que ela deixou de ser verdade em um caso e voltou a ser verdade em outro caso? Não, por mais bonito que seja apresentar uma tese destas numa universidade, isso simplesmente não é fato. A verdade sobre o que é verdade (perdoe-nos pelo trocadilho) é muito mais simples que isso e muito menos bonito de por no TCC. Existem verdades mais concretas e menos concretas. Voltemos ao exemplo da casa: uma casa é feita de tijolos. Esta é uma verdade bastante abstrata. Vejamos a seguinte verdade: Esta casa, no endereço X, é feita de tijolos com a marca Y. Esta é uma verdade bastante mais concreta. Outra verdade intermediária é: “Algumas casas são feitas de Tijolos, outras de madeira, algumas de palha e outras de barro….” e assim poderíamos ir até esgotar todos os materiais que já foram usados para produzir casas na história humanidade. Como vemos, a verdade abstrata é necessária para poder navegar no mundo. Sem ela não saberíamos o que é uma casa, apenas conheceríamos alguma casa que já vimos. Mas isso não a torna menos verdade, nem a torna relativa. A casa no endereço X, no País Y, existe não importa o que pense as pessoas que nela moram, que moram em volta ou se a sociedade acredita ou não que casas existem. Marx e Engels apresentaram a máxima: a prática é o critério da verdade, ou, como também disseram, de forma jocosa, a prova do pudim está em comê-lo. Isto significa que se, de forma prática, é possível verificar, falamos de algo verdadeira, ou real. O leitor pode estar se perguntando, como tudo isso pode ser aplicado à política e a luta de ideias. Que é o tema desta polêmica.
O que é a política e como lidar com a verdade e a mentira nela
A política não é, como pensam os acadêmicos, um conjunto de ideias. A política é a luta de interesses pelo poder, para fazer valer estes interesses. Esta é uma verdade abstrata. Uma verdade mais concreta, por exemplo, seria, por exemplo: O agronegócio apoia a reeleição Bolsonaro para que ele permita um maior desmatamento e facilite os negócios. Outra verdade tão concreta quanto esta seria: setores dos trabalhadores apoiam Lula para que ele faça voltar os investimentos estatais e a política de aumento real do salário mínimo. Como vemos, estamos diante de uma verdade pois verifica-se na prática. Ninguém irá negar que Bolsonaro tem voto no agronegócio por essas questões, e que Lula tem apoio no nordeste por conta dos programas sociais que fez. Bem, então o que faz Jair Bolsonaro? Diversionismo. Na verdade, este é o ofício de todos políticos burgueses. Como não podem confessar seus verdadeiros interesses, isto é, os interesses que eles representam na política, se rebaixam a manipular os preconceitos das pessoas e tentar fazer deles armas eleitorais. A política é uma luta de interesses, mas não uma luta de interesses individuais, afinal o governo, o Estado, é uma coletividade e só existe em sociedade, é um interesse de grupos sociais.
Janones e mentira de esquerda
Historicamente, o trabalho da esquerda tem sido o de deixar claro esta situação. Mostrar que a política é uma luta de interesses, mostrar que o interesse é rei, e que o trabalhador deve votar não seus gostos, afinidades, não o melhor num sentido bastante abstrato, mas o que melhor defenda ele. O marxismo sempre advogou, por essa razão, o voto de classe. Afinal não se votar em quem não é da sua classe, é a expressão máxima da defesa do interesse de classe. Mas não só. O marxismo sempre advogou votar em quem defende aquilo que você precisa, isto é, um programa que atenda o interesse de classe. Estas questões, unidas, são uma ferramenta poderosa. Há uma ideia corrente de que, através de mentiras, Bolsonaro capturou um amplo setor da população. É bastante verdade. Bolsonaro é o candidato dos preconceitos, não só dos preconceitos contra mulheres, negros, etc.. e nem principalmente destes preconceitos. Bolsonaro é o candidato dos preconceitos sociais, como o de que a violência policial resolve problemas de criminalidade, como o preconceito de que os militares são melhores que os políticos. A “estratégia Janones”, isto é, tentar manipular os mesmo preconceitos, estimular o atraso na população contra Bolsonaro e a direita, é um fracasso duplo. Primeiro é um fracasso, pois não funcionará. Bolsonaro é uma candidatura que apela sistematicamente para os preconceitos, isto, tende a impedir que eles sejam usados contra ele. Em segundo lugar, é um fracasso pois é uma admissão, por parte de Janones, de que não representa interesses reais do povo. Contudo, Janones e os apoiadores destas ideias fantasiosas, fazem uma confissão por todo um movimento, que não é parte no crime que cometem. A candidatura de Lula é, sim, uma legítima representante do interesse popular, ainda que não seja a representante mais acabada deste interesse. Ela tem a verdade a seu lado. A defesa do emprego, do salário, do combate aos patrões, do combate ao neoliberalismo, a defesa da nossa soberania e da nossa liberdade. Essas bandeiras, esses interesses, são poderosos, uma coluna de fumaça não sustenta telhado, mas uma coluna de concreto sim. Não estão disputando noções de verdade, como apresenta o autor, mas disputando quem mente mais. Não precisamos disso, nem venceremos com isso. Se Bolsonaro é o atraso nesta eleição, Lula é o progresso. Venceremos apelando para o que há de mais dinâmico e progressista na população. Se Bolsonaro se apresenta como a candidatura de pessoas desesperadas e ensandecidas, dispostas a fazer qualquer coisa para fugir do inferno criado pela burguesia, a candidatura de Lula tem que se apresentar como a candidatura da esperança, como o movimento do povo que acredita que não temos de esperar um messias salvador, mas a esperança e a confiança na própria força do povo brasileiro. Essa esperança, essa confiança, só pode existir se dissermos a verdade. A dura verdade. A verdade que é incômoda, mas é sempre revolucionária.





