_Rafael Dantas, de Moscou
A mais de 100 dias do início da Operação Especial para a Desmilitarização e Desnazificação da Ucrânia uma verdadeira guerra de propaganda corre em paralelo com os esforços militares das Milícias Populares de Lugansk e Donetsk e das Forças Armadas da Rússia.
O imperialismo insiste: “a Rússia tentou tomar Kiev e fracassou”. Esse foi o principal argumento apresentado ao mundo ao longo desde o início de abril, quando foi suspensa a ação militar russa na capital ucraniana. Por quê?
Porque o imperialismo quer apresentar a Rússia como um agressor quando, na realidade, as forças ligadas ao “democrático” imperialismo norte-americano e europeu financiam e impulsionam um esforço continuado dos fascistas ucranianos para oprimir e obrigar o povo da região do Donbass, no Leste da Ucrânia, ao regime de Kiev, imposto por um golpe de Estado há oito anos.
Não. A Rússia não está travando uma guerra de conquista. São oito anos de bombardeios e agressões armadas à população civil. São oito anos de ataques a casas, hospitais, escolas, praças. Mísseis e morteiros lançados indiscriminadamente contra cidades que sequer possuem bases militares, povoados desprotegidos. São oito anos de crimes de guerra cometidos pelas Forças Armadas da Ucrânia e os batalhões fascistas.
Apesar de inúmeras provas contundentes destes crimes, a máquina de propaganda do imperialismo “democrático” ainda tem força suficiente para ocultar o que realmente está acontecendo. Apelamos portanto à lógica.
Não existe guerra sem manobras
A batalha de Kiev durou cerca de um mês e meio. O que ela revelou?
Em primeiro lugar, que a Rússia tem força suficiente para esmagar em pouco tempo a resistência militar ucraniana. Por que não o fez?
Colocado de maneira simples: por que não quis.
O cerco à capital ucraniana foi apenas uma manobra militar em uma guerra muito complicada. Qual o seu objetivo?
Dividir e enfraquecer as forças armadas ucranianas. Paralisar o cerco ucraniano contra as cidades ao longo da fronteira com a região do Donbass. Forçar um reagrupamento e o deslocamento de tropas em direção à capital, afastá-los do verdadeiro objetivo da Operação Especial, a libertação do Donbass.
A batalha de Kiev foi muito – muito! – diferente das “batalhas” travadas pelo imperialismo norte-americano e europeu no Iraque e no Afeganistão ao longo das décadas passadas. A operação de “shock and awe” (choque e pavor) impostos aos povos iraquiano e afegão deixou Bagdá e Cabul arrasadas, milhares de civis mortos, países arrasados.
Foram verdadeiros massacres. Abriram o caminho para uma lucrativa promessa de “reconstrução” destes países (que, diga-se de passagem, nunca aconteceu), um enorme impulso à indústria militar norte-americana e para o controle do petróleo iraquiano e de posições estratégicas no corredor entre o Oriente Médio e a Ásia Central.
O centro do problema é o Donbass
A Operação Especial russa serviu, na prática, como um reforço indispensável às forças que combatem sozinhas e com poucos recursos o fascismo ucraniano. Representou, na prática, segundo militares das Repúblicas Populares do Donbass nos disseram, a integração das forças da Federação Russa com o povo armado, que vinha se defendendo com muita dificuldade das sistemáticas agressões ucranianas. O que está em jogo?
A população russófona do Leste ucraniano manifestou livremente seu desejo de se separar do País depois do golpe da Praça Maidan em 2014-2015. Não aceitaram ficar sob o controle dos golpistas que impuseram um verdadeiro regime de terror e opressão contra a população civil.
Ao dividir e enfraquecer as forças ucranianas, forçando-as a concentrar-se em Kiev, a Operação Especial russa ganhou tempo para fortalecer as posições ocupadas pelas milícias populares de Lugansk e Donetsk. É aí que, nesse momento, estão sendo travados os combates decisivos.
Por que a Rússia ainda “não ganhou” a guerra?
As forças ucranianas atacaram livremente a população civil do Donbass durante oito anos. As forças de Lugansk e Donetsk, nesse período, respeitaram os acordos de Minsk. Usaram seus recursos de maneira defensiva. Resistiram às contínuas agressões.
Voluntários de ambas as repúblicas salientaram à reportagem de Causa Operária em diversas oportunidades que a “guerra” se desenvolveu nesse período quase como uma operação de policiamento e combate, seja nas cidades, seja nas florestas em seu redor. Visavam impedir o avanço ucraniano sobre o território que se tornou independente. Lutaram por sua independência com tudo o que podiam. E tinham à sua disposição muito pouco.
“Nesse período, nunca disparei uma arma que tivesse menos de 30 anos de idade”, disse-nos o voluntário brasileiro, Rodolfo “MacGyver”, que faz parte da Milícia Popular de Donetsk. A chegada dos russos representou um reforço numérico, de poderio bélico e tecnológico superior. Mas a guerra está sendo travada com os mesmos métodos.
Ouvimos mais de uma vez: “temos que proteger a população civil”; “não podemos disparar contra os ucranianos indiscriminadamente porque eles usam a população civil como escudo”.
Os esforços russos estão concentrados em “desentocar” os militares ucranianos, expulsá-los de suas posições, libertar os civis tornados escudos humanos. Não é fácil fazê-lo. São obrigados, para proteger os civis, a responder aos mísseis e obuses disparados pelos ucranianos com disparos de fuzil, fogo de contenção.
A Rússia “não ganhou a guerra” porque não está travando uma guerra como a que o imperialismo travou durante anos no Oriente Médio. Não podem bombardear livremente porque os fascistas e militares ucranianos, juntamente com mercenários estrangeiros armados pelo imperialismo, usam a população civil como escudo.
De onde vem a força da Ucrânia?
Trinta bilhões de euros. Esse foi o dinheiro injetado nas forças armadas ucranianas pelos Estados Unidos (23,96 bilhões), a Grã Bretanha (2,38 bilhões), a Polônia (1,7 bilhões) e a Alemanha (1,39 bilhões).
Armas e equipamentos em grandes quantidades. Obuses, veículos blindados, lançadores de foguetes e granadas, sistemas antitanque, helicópteros e mais de 800 drones norte-americanos. Equipamentos similares, além de fuzis de assalto, metralhadoras e tudo que vai de uniformes militares a coletes à prova de bala vieram do Reino Unido, da Alemanha, do Canadá, da Noruega, Estônia, Grécia, da República Tcheca, Letônia, Dinamarca, Austrália, Suécia, França, Espanha, Portugal, dos Paíse Baixos, da Eslováquia, Eslovênia, Finlândia, Turquia, Luxemburgo, Bélgica, Macedônia do Norte, Áustria, Bulgária, Romênia, Irlanda, Hungria e Malta.
Quem está sendo derrotado?
Apesar disso, a tomada de Severodonetsk pelos russos e pelas forças do Donbass, no Oeste da República Popular de Lugansk, foi uma dura derrota imposta às forças ucranianas. Uma dura derrota porque os esforços russos estão concentrados em neutralizar as forças militares, e não atingir a população civil. O Exército russo está, de maneira lenta e sistemática, ocupando toda uma parcela do território ucraniano que se declarou independente.
Nunca é demais lembrar que os militares ucranianos foram colocados há muito tempo a reboque dos batalhões fascistas e dos bandos de mercenários. Apesar da injeção de recursos e armas, o contingente ucraniano vem diminuindo.
Essas forças estão sensivelmente enfraquecidas. Muitos mercenários vêm sendo capturados. Vários soldados desertaram. Fascistas presos preferem encarar julgamento nas repúblicas do Donbass do que serem trocados por prisioneiros de guerra. Têm certeza de que se retornarem serão lançados novamente à linha de combate. Estão sendo forçados pelas forças russas a se renderem.
Nas últimas duas semanas ficou absolutamente claro que as forças armadas ucranianas e o regime político ucraniano estão entrando em crise, e estão entrando em uma fase de decomposição acentuada.
Toda a propaganda da imprensa imperialista de que a Ucrânia estaria ganhando a guerra revela-se uma farsa. A situação está se mostrando extremamente delicada para os ucranianos. A situação em que o exército ucraniano está sendo colocado para enfrentar a morte certa, e disso os militares ucranianos têm certeza, é guiada pelos interesses do imperialismo. Usam as forças ucranianas como bucha de canhão para servir como instrumento de propaganda política contra os russos, sacrificando milhares de pessoas, obrigando-as a enfrentar um exército muito superior apenas para fazer propaganda.