Após mais de um mês do início da operação militar especial russa na Ucrânia, desencadeada no dia 24 de fevereiro, é possível identificar com maior nitidez os efeitos políticos da guerra na situação internacional e o significado profundo do acontecimento à luz da crise do imperialismo.
A guerra na Ucrânia é o pano de fundo em que se desenrolam atualmente as eleições europeias. Em maior ou menor medida, de forma mais ou menos direta, o que acontece no país do leste europeu atravessa inevitavelmente a vida política de praticamente todos os países do mundo, e dos europeus em particular.
Na Hungria, Viktor Orbán foi reeleito no início de abril para o seu quinto mandato. Não é algo fortuito e sem importância o fato de que o político húngaro tenha vínculos de proximidade com a Rússia, tendo inclusive se recusado a aderir ao boicote e às sanções impostas pelo imperialismo contra os russos.
Na Sérvia, o conflito entre Rússia e Otan também dominou a campanha eleitoral, que terminou com a reeleição de Aleksandar Vucic. Assim como aconteceu na Hungria, o candidato venceu por ampla vantagem.
Na França, pilar central do bloco imperialista mundial, as eleições presidenciais se aproximam, e o cenário político no país expressa por todos os poros os efeitos da guerra na Ucrânia. Emmanuel Macron, o candidato oficial do regime político imperialista francês, enfrentará a candidata da extrema direita, Marine Le Pen, no segundo turno. Ambos passam para a próxima fase da corrida eleitoral virtualmente empatados: com 97% das urnas apuradas (até o fechamento desta edição), Macron obteve 27,60% dos votos, enquanto Le Pen alcançou 23,41%.
Candidato preferencial do bloco imperialista, Macron se coloca contra a Rússia. Le Pen, por sua vez, embora não tenha manifestado nenhum apoio aberto, é vista como alguém mais próxima dos russos. O que isso revela? Revela que, num dos principais países imperialistas do mundo, o representante da ordem política mundial, o representante do imperialismo, pode perder as eleições. Mais ainda, revela o estágio de desagregação do regime político francês (e europeu em geral), rasgado pela polarização social e política que fez o Partido Socialista evaporar e alavancou a candidatura do esquerdista Jean-Luc Mélenchon, que ficou bem próximo dos vencedores, com 21,95% dos votos. Analisando o quadro eleitoral francês, representativo do quadro eleitoral europeu em geral, o que se vê é a existência de uma tendência natural que fortalece os polos do espectro político, a extrema direita e a extrema esquerda.
O que a guerra na Ucrânia tem a ver com isso? Tudo. O cenário de guerra acentua essa polarização, que nada mais é que a desagregação dos partidos e do regime imperialista. A guerra despertou essa polarização contra o sistema político dominante. A ação de Putin na Ucrânia é uma contestação, um desafio muito vigoroso à ordem internacional estabelecida. Esse é o seu significado mais profundo. E em que consiste essa ordem internacional? Consiste na ordem na qual dominam os EUA e os outros países imperialistas (França, Inglaterra, Alemanha, Japão etc.). Essa ordem é a ditadura do imperialismo.
O conflito na Ucrânia, impulsionado a partir da operação militar russa, uma operação, como vimos destacando, defensiva, consiste numa contestação operada de fora, por um ator que não pertence ao bloco imperialista, algo diferente do que aconteceu na Primeiro e Segunda Guerras Mundiais, cujos fundamentos residiram nas contradições dentro desse bloco.
A ação de Putin, nesse sentido, é equivalente ao que os iraquianos fizeram quando invadiram o Kuwait, em agosto de 1990. Os EUA afirmaram à época que se tratava de um desafio à ordem internacional. Diríamos: um desafio à dominação imperialista. O que está em jogo hoje é exatamente isso.