Tem sido comum a posição dentro da esquerda “bem pensante”, aquela típica esquerda pequeno-burguesa, de ser contra a guerra entre Rússia e Ucrânia, afirmando que, ao invés da luta entre povos, um marxista deveria defender apenas um simulacro da luta de classes criado pelos esquerdistas. A confusão expressA por essa tese cumpre o papel de mascarar que esse setor da esquerda, na realidade, defende a OTAN e sua atuação na Ucrânia.
Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que existem, na atual etapa do capitalismo, três tipos diferentes de guerra. O primeiro tipo é a guerra entre dois países atrasados – neste caso, a posição dos marxistas é a de se opor a guerra; o segundo tipo é a guerra entre países imperialistas – a posição dos marxistas, novamente, é a posição de se opor a guerra; no entanto, há o terceiro tipo de guerra, a guerra entre um país imperialista contra um país atrasado. Neste terceiro tipo, o país atrasado luta, independentemente das circunstâncias, por sua libertação nacional, e os marxistas devem o apoiar.
Uma coisa que esses setores da esquerda que apregoam a tese pacifista de que não poderia existir guerras, somente pode existir a luta de classes não entendem é justamente que as guerras são a luta de classes. Lênin definia as guerras como sendo a política continuada por outros meios. Ora, a política é a luta de classes, uma espécie de terreno institucional no qual ela se apresenta; a guerra, tanto a guerra entre países, como a guerra civil, é o momento em que os interesses das diferentes classes que compõem a sociedade se tornam irreconciliáveis e apenas um conflito aberto é capaz de resolver esta contradição.
Neste sentido, a guerra é uma expressão imediata da luta de classes, quando esta adquire um caráter mais acirrado. Rejeitar que se tome uma posição em uma guerra de países imperialistas (EUA, Alemanha, França, Canadá, etc.) contra um país atrasado (Rússia) afirmando que a guerra é entre países e não entre classes representa uma cegueira política completa, além de uma incompreensão total do marxismo. A guerra entre países é a luta de classes em escala internacional, afinal é uma das formas que esta assume.
Outra coisa que essa esquerda não consegue entender – e que a leva a ficar a reboque do imperialismo – é que a sociedade não é dividida em apenas duas classes. Uma sociedade só poderia ser dividida em apenas duas classes se a sociedade fosse muito simples e primitiva, se a divisão do trabalho estivesse apenas se iniciando, se ainda fosse inexistente ou quase inexistente o antagonismo entre cidade e campo.
Numa sociedade complexa – e o capitalismo é a forma mais desenvolvida de sociedade antes da sociedade socialista –, há mais de duas classes. Marx dizia que, no capitalismo, há o antagonismo entre duas principais classes – o proletariado e a burguesia –, mas de modo algum que elas eram as únicas ou que as outras eram desconsideráveis.
Na sociedade atual, há a pequeno-burguesia camponesa, a pequeno-burguesia urbana, a burguesia nacional em certos países, a burguesia imperialista em outros; há setores na burguesia, tais quais setores mais voltados aos negócios internos da burguesia norte-americana ou os verdadeiros vampiros da burguesia imperialista dos Estados Unidos, como Elon Musk, etc.
Mesmo na sociedade escravista, que era dividida entre o senhor de escravos e os escravos, havia classes intermediárias – havia o artesão, o trabalhador liberto, o comerciante, etc. Enfim, a sociedade complexa possui um antagonismo entre as suas duas classes fundamentais, mas possui uma série de outras classes que não podem ser ignoradas.
O argumento de que não se poderia tomar lado na guerra da Rússia contra Ucrânia por não se tratar da luta de um operário numa fábrica contra o seu patrão, justamente por conta desta exposição, é completamente absurdo. A luta pode não ter sido iniciada pela classe operária, mas nem por isso a classe operária pode ficar neutra.
A guerra foi uma defesa por parte da burguesia nacional russa. Na guerra entre uma burguesia nacional – isto é, a burguesia de um país atrasado – contra a burguesia imperialista, a classe operária deve apoiar a burguesia nacional, pois o enfraquecimento do imperialismo é de interesse do proletariado internacional. O imperialismo é o maior inimigo da humanidade, é o maior fator de reação; uma vitória de outra classe ou de outro setor da burguesia contra ele é positivo para a classe operária, na medida em que enfraquece a dominação mundial do imperialismo e, portanto, fortalece o proletariado.
Por fim, é preciso ressaltar que, desde que o capitalismo entrou em sua fase imperialista, sempre foi a posição dos marxistas defender qualquer classe que fosse contra a burguesia imperialista – mesmo que seja a burguesia nacional de um país atrasado. Em uma famosa entrevista de Trótski, por exemplo, ele diz que se o Brasil “fascista” de Getúlio Vargas entrasse em guerra com a Inglaterra “democrática”, o Brasil deveria ser apoiado, justamente por a luta real se dar entre oprimidos e opressores. Trótski, em sua famosa entrevista, deixava claro que a luta real é a luta anti-imperialista e que é o imperialismo o maior inimigo da humanidade. Com isso, pode-se tirar as conclusões tão essenciais a qualquer marxista, a saber, as conclusões de que a guerra entre países é a expressão da luta de classes a nível internacional e é de que é preciso defender o país atrasado em sua luta pela libertação nacional contra o país imperialista.





